Indígenas: luta diária por território e respeito

A projeção na data, em detrimento à invisibilidade do resto do ano, faz do período principal palco de lutas

Escrito por Theyse Viana - Repórter ,

"Dizem que lugar de índio é na mata, mas, em contradição, tiram nosso lugar na terra. E se estivéssemos só entocados, quem buscaria os nossos direitos? Quem discutiria com os não-indígenas sobre a nossa cultura?" A fala enérgica, firme, tinge de empoderamento o rosto já avermelhado pela tinta do urucu. É com a pele rajada e coroada pelo cocar frondoso que a índia Margarida Teixeira, de 50 anos, ergue a voz para falar dos motivos pelos quais a luta se sobressai à comemoração, em abril, mês em que é estabelecido nacionalmente, no dia 19, o Dia do Índio.

 

A projeção que os indígenas ganham na data, em detrimento da invisibilidade dos outros 11 meses do ano, faz deste um período de intensificação das principais lutas desses povos, como aponta a presidenta da Associação dos Professores Tapebas (Aproint). "Nossas maiores e mais constantes lutas são por saúde, educação e, principalmente, território. Sem terra, não somos nada. E quanto mais demora a demarcação, mais são tirados de nós os nossos rios, lagos e todos os recursos naturais que são para a nossa sobrevivência", declara Margarida.

Segundo ela, os Tapebas dispõem de cerca de 4 mil hectares de terras, atualmente - número que deveria ser quase oito vezes maior. "Somos muitos índios para pouca terra, deveríamos ter mais de 30 mil hectares demarcados. Não é só sobre ter uma casa, uma terra, é sobre território. Terra é onde eu moro, território é de onde tiro sustento, raízes, sementes para fazer biojoias, alimento dos rios e lagoas", afirma a presidente da Aproint - Associação que atua em 14 escolas públicas de educação indígena nas aldeias de comunidades Tapebas, em Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).

Quando as temáticas dessas populações ocupam as lousas, carteiras e livros das salas de aula, o respeito à cultura dos quase 900 mil indígenas distribuídos em todos os estados do País, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é posto ainda mais em xeque. Apesar de a Lei 11.645/08 incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e cultura afrobrasileira e indígena", os conteúdos, quando tratados, ainda escorregam nos estereótipos e esbarram no reforço da discriminação da etnia.

Discriminação

"'Índio não anda nu? E fala português?' São algumas das perguntas que as pessoas ainda fazem. Nós não somos passado, somos presente, as escolas precisam ensinar isso", critica Margarida Teixeira, endossada pelo educador tapeba Estênio Teixeira, 29. "É por isso que educações escolar, indígena e escolar indígena são diferentes. Na Educação Escolar Indígena, vemos o conteúdo tradicional, mas com o propósito de afirmar nossa identidade e combater a discriminação", explica o professor de Matemática e História, afirmando que reconstruir a imagem de seu povo é missão diária.

"A História é um campo de batalha, e é contada por quem venceu. Nela, Tapeba virou sinônimo de coisa ruim, mas estamos refazendo, mudando isso. Sou Tapeba, sim. Sou descendente de um povo que resistiu para que eu existisse", sentencia Estênio, um dos palestrantes do projeto Conversas Flutuantes, promovido pelo Sesc Fortaleza em alusão do Dia do Índio, na manhã e na tarde de ontem.

Em oito embarcações da Barra, cerca de 200 estudantes, professores e integrantes de instituições sociais navegaram nas águas do Rio Ceará para aprender sobre temáticas que permeiam as comunidades indígenas cearenses, sobretudo as 17 que compõem os Tapebas. De acordo com um dos organizadores do projeto, Paulo Leitão, o empoderamento dessa população não deve ser datado. "Temos ações permanentes, durante o ano todo, com 14 povos indígenas Tapebas, realizando atividades socioeducativas e ambientais que falem sobre o índio de hoje, não do quinhentista. É preciso empoderá-los para eles mostrarem que existem", destaca.

Com os pés descalços fincados na terra flácida e movediça do mangue, num banco de areia abraçado pelo verde-azul das matas e do Rio Ceará, Margarida - cujo sangue mistura as etnias Potiguaras e Cariris - reafirma não só o sentido de existir: mas de resistir. "Meu orgulho é saber que o que foi negado aos meus ancestrais, nós conseguimos ter. É poder usar meus adereços, andar de cabeça erguida, com liberdade, dentro e fora da aldeia. É ter o meu lugar. Acredito que eles, meus antepassados, estão muito orgulhosos por isso".

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