Indígenas cearenses revelam preocupação com mudanças na Funai

Com a maioria dos territórios sem demarcação oficial, povos tradicionais do Estado podem ser impactados por alterações no órgão indigenista, que teve atribuições transferidas para outras pastas por meio de medida provisória

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@diariodonordeste.com.br

Foi já no primeiro dia do ano, o presidente Jair Bolsonaro decretou, através de medida provisória, que a Fundação Nacional do Índio (Funai) não mais tem a função de identificar e demarcar terras indígenas no Brasil. Agora, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) tem essa atribuição, um velho interesse de empresas do agronegócio e da bancada ruralista do Congresso, segundo defensores dos direitos dos índios. No Ceará, lideranças desses povos estão apreensivas com as mudanças e argumentam pela preservação dos territórios.

Juliana Alves, conhecida como a Cacique Irê dos Jenipapo-Kanindé, em Aquiraz, lamenta que, frequentemente, o espaço territorial dos povos indígenas esteja sendo "violado e retirado das nossas mãos". "A Terra, para nós, é uma mãe; ela tem uma simbologia muito forte. A terra deve ser respeitada e cultivada para o bem, mas, a cada dia que passa, a gente não está tendo isso. Nossos direitos estão sendo derrubados inclusive os previstos na Constituição Federal", destaca.

Está lá no artigo 231, desde 1988: são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e por eles habitadas "em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural".

No Ceará, apenas um dos 25 territórios indígenas teve a demarcação finalizada: o Córrego João Pereira, do povo Tremembé, localizado nos municípios de Itarema e Acaraú. O decreto homologatório saiu em 2003. Os outros estão em fases variadas do processo.

A demarcação da Lagoa da Encantada, dos Jenipapo-Kanindé, por exemplo, permaneceu num limbo entre 2011 e 2017, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou recurso contra a demarcação movido por uma empresa.

Hoje, conforme a Cacique Irê, a comunidade tem a terra como garantida e aguarda apenas a oficialização do território como terra da União, "embora a gente saiba que, diante da conjuntura política atual, vai ser muito difícil. Mas enquanto há fé, há esperança, e a gente conta muito com os nossos encantados, os nossos ancestrais, para que esse novo ciclo possa ter mudanças", projeta a líder.

Para o advogado Weibe Tapeba, que carrega no nome a tribo com cerca de 8 mil índios, em Caucaia, a maior preocupação hoje é com as "ameaças" do presidente em rever demarcações já feitas.

"Como são regularizadas por ato administrativo, elas podem estar sendo revistas pelo Governo Federal. Se o presidente implementar alguma revisão de terras já homologadas, cabe aos povos indígenas e organizações ingressarem judicialmente para manter os direitos consolidados", explica.

Em resposta à medida provisória, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocolou representação junto à Procuradoria-Geral de Justiça pedindo a suspensão de trechos da decisão, bem como apurar eventual "ofensa aos direitos culturais dos povos indígenas". "A nossa luta é secular e vamos pagar com a nossa própria vida, mas vamos continuar de pé", declarou Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Apib.

História

A Indigenistas Associados (INA), associação de servidores da Funai, também divulgou carta aberta criticando as mudanças. Em âmbito estadual, segundo Weibe Tapeba, a orientação é que povos e entidades parceiras ingressem com ações populares contra as medidas.

"Indígena no Brasil é um termo não muito bem compreendido. Na cabeça de grande parte da população, ele ainda está associado ao primitivismo, mas a gente tem uma diversidade muito forte. Ser indígena é manter laços de cultura, tradição, festa, história e oralidade a partir desse rico patrimônio", defende.

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