Independentes, mulheres driblam desafios para criar os filhos sozinhas

Por vários motivos, elas se tornam mães e pais ao mesmo tempo e têm suporte da família e amigos

Escrito por Nícolas Paulino - Repórter ,
Legenda: Em Caucaia, a casa das cinco mulheres: dona Maria, sozinha, criou Luciana depois de se separar do marido. Esta, por sua vez, batalhou para cuidar das filhas Lucielle, Danielle e Michelle, após ficar viúva. Foto: Arquivo pessoal

À tarde, Kaiky é deixado na escola pelos avós. A mãe passa o dia no trabalho e, depois, vai buscá-lo. No trajeto, conversam sobre as atividades do dia, as tarefas de casa, as notas do boletim. Às segundas e quartas, a mãe vai deixar o menino de 12 anos na escolinha de futsal. Depois, parte para a faculdade para assistir às aulas do sétimo semestre de Administração (aos sábados, também tem conteúdo). Acrescente-se ao dia o tempo que ela passa produzindo dindins gourmet ou expondo catálogos de produtos cosméticos às clientes.

A rotina atarefada coloca a assistente administrativa Aleksandra Vasconcelos, de 32 anos, dentro da estatística das 411 mil mulheres fortalezenses que, até o ano passado, eram responsáveis pela manutenção da própria família, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E a responsabilidade delas vem crescendo, já que, em 2012, 338 mil mulheres estavam na mesma condição - 21,6% a menos.

Para Aleksandra, as incumbências aumentaram depois que ela se separou do pai de Kaiky, quando o filho tinha "de quatro para cinco anos". Desde então, a vida é a dois - com apoio dos avós maternos e paternos.

"A minha criação foi diferente. Com meus pais, não tinha conversa, era chinelada. Eu não vou esquecer, mas não vou guardar. Tento fazer diferente. Com ele, procuro conversar, dar exemplo. Eu não tive educação boa, então faço esforço para mantê-lo num colégio bom", descreve Aleksandra.

Hoje, o pai de Kaiky tem outra família e outra filha. Ele ajuda financeiramente e até se tornou mais presente na vida do filho. "Nesse sentido, não tenho do que reclamar", confessa Aleksandra, dissertando: "A mulher, hoje em dia, não está mais aguentando como antigamente. Ela tem mais independência, sustenta a casa, é o próprio pai. A mulher tem sua estabilidade para não depender de homem. Claro que ele tem que ajudar na educação, mas eu também preciso criar minhas condições para dar o melhor ao meu filho".

Ausência

Danielle tinha 10 anos; Lucielle, cinco, e Michelle, 1 ano e sete meses, quando o pai delas faleceu. Nos últimos 12 anos, a responsabilidade pela criação das três meninas tem sido exclusivamente da mãe, a cuidadora escolar Luciana Martins, hoje com 43 anos - tarefa hercúlea, semelhante à da própria mãe, dona Maria, que a criou sozinha, depois de se separar do marido, quando a filha contava quatro anos.

Moradora de Caucaia, Luciana é uma das 594 mil (em 2012, eram 493 mil) mulheres chefes de família da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), de acordo com o IBGE. Ou, como ela prefere pôr em prática, encarregada de "pagar as contas, fazer as compras e levar as meninas ao médico". Afinal, mal teve tempo de lidar com o seu luto quando já se encontrou frente à tarefa de assumir, além do papel de mãe, o de pai.

"O meu desafio era a falta de emprego. A gente tinha o salário da pensão, mas não dava para manter a casa. Fui trabalhar em casas de família", lembra, afirmando que dona Maria ajudava no cuidado das meninas. "Nós batalhamos sozinhas", sintetiza a história da casa das cinco mulheres, embora pense que a maior desvantagem, nesse caso, é que "é muito perigoso morar só mulher".

cidade

Dona Marleide Leite, "sensível", mas batalhadora, tomou o compromisso de criar Danielle, em Pereiro, no Vale do Jaguaribe. Foto: Arquivo pessoal 

Para a filha mais velha, Danielle Martins, 22, "foi um baque grande cuidar das outras duas", no início. Depois, com a orientação de Luciana, tudo foi se ajustando e virando uma "parceria". "Decisiva", a mãe assumiu o lugar do pai - de quem ainda sente falta nas datas festivas e nas conquistas, como a formação como tecnóloga em Saneamento Ambiental -, enquanto a avó, "carinhosa", faz as vezes de mãe.

A voz da filha só embarga mesmo na hora de falar do legado da mãe. "Eu acho que tive um amadurecimento muito rápido porque a gente aprendeu junta. Fomos como duas irmãs. Aprendi a correr atrás e a não desistir. Ela não parou quieta enquanto não conseguiu nos dar uma vida melhor", orgulha-se.

Formação

Longos trezentos e trinta e dois quilômetros apartam o abraço de Danielle Leite, de 30 anos, a filha, que mora em Fortaleza; em dona Raimunda, a "Marleide" Leite, de 54 anos, a mãe, professora de escola pública, em Pereiro, no Vale do Jaguaribe. Mesmo distantes, a raiz é forte, cultivada desde os cinco anos, quando o pai deixou de ser presente. "Sempre fomos muito unidas. Éramos uma família pequena, mas sempre tivemos uma relação muito boa. Não posso dizer que senti a falta de um pai", revela Danielle.

Na escola, quando chegava o período de homenagens ao genitor, a mãe insistia: "Faz para o seu avô". Danielle rebatia, e Marleide ganhava um cartão em maio e outro em agosto. "Ela era a imagem de pai que eu tinha, toda essa coisa de cuidado e proteção vinha dela", diz a filha, explicando que a mãe é muito sensível. "Ela tinha que me mimar e disciplinar ao mesmo tempo, e soube conduzir isso".

Danielle comemora as conquistas femininas - embora num ritmo ainda devagar - principalmente no mundo do trabalho. Porém, considera que a saída do lar tem tanto prós como contras. "Minha mãe começou a trabalhar fora quando eu tinha 10 anos, então passei minha infância com ela. Tive uma educação mais firme porque ela estava do meu lado, mas os meus filhos talvez não tenham", observa.

"Antigamente, querendo ou não, a educação dos filhos era o papel da mulher. Hoje, não estamos mais em casa. Essa nova configuração pode ser trabalhada de uma maneira que não nos restrinja do trabalho, que nos realize profissionalmente", conclui.

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