Fortaleza tem mais de 21 mil famílias vivendo em áreas de risco

O problema ambiental e social sempre reaparece em períodos de chuva, tornando explícitos os efeitos da falta de providências em regiões vulneráveis

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@diariodonordeste.com.br
Legenda: População se arrisca em caminho de pedras para acessar casas às margens do Rio Maranguapinho

Há, pelo menos, seis anos, nada muda: Fortaleza tem 89 áreas de risco, com mais de 21 mil famílias vivendo suscetíveis a inundações, alagamentos e desabamentos, principalmente em períodos chuvosos. O número, que deveria ser decrescente, é fixo pelo menos desde 2012, informado pela Defesa Civil do Município - cuja resposta também é sempre a mesma sobre as providências em relação a quem convive com os perigos de ambientes insalubres.

As áreas de risco - consideradas pela Defesa Civil como "todas aquelas que podem, através de sua vulnerabilidade, ameaçar a segurança dos munícipes" - se distribuem em todas as sete Secretarias Regionais da Capital, e concentram a maior quantidade de chamados de emergência recebidos pelo órgão de assistência. Só em 2018, até outubro, foram registradas 584 ocorrências de risco de desabamento, 105 alagamentos, 51 inundações e 65 desabamentos.

Uma delas partiu do aposentado Fernando Graciano, 67, que teve a casa tomada pela lama e pelo lixo que correm no trecho do Rio Maranguapinho no bairro Autran Nunes. "Quando chove, isso aqui fica é um mar, ninguém vê nem o chão. Tá vendo aquele batente?" - aponta para uma mureta de três palmos em frente à residência - "A água passa dela e muito". O aposentado até chegou a se mudar, mas voltou devido à violência do bairro distante "para onde a Prefeitura o levou".

Doenças

O mesmo transtorno é vivenciado pelo segurança Cleilson Rodrigues, 38, que já perdeu "cama, colchão e até geladeira por causa da enchente". "Moro aqui há 18 anos e isso nunca mudou. A água podre do Maranguapinho sobe e não dá tempo a gente fazer nada. Lá na avenida eles sempre limpam, mas aqui é esquecido", reclama, sentado na porta de casa, a poucos metros de uma água preta, repleta de vegetação e lixo, sobre a qual a comunidade improvisa um caminho de pedras para atravessar a margem oposta.

Além de inundações e dos riscos de desabamento, quem reside às margens de mananciais poluídos está diariamente suscetível a doenças como arboviroses, "porque é muriçoca demais", segundo reclama o repositor de supermercado Airton Gomes, 46. "À noite, é um enxame nas pernas da gente. Minha vizinha pegou chikungunya e vive com problema até hoje".

O mesmo drama também é descrito pela aposentada Carmelita Lourenço, 68, moradora antiga da região. "Quando dá seis horas da noite, fica preto de muriçoca. Se chove, alaga, aparece até cobra. A Prefeitura não limpa, mas o pessoal também bota muito lixo, aí entope tudo", reconhece.

Prevenção

Em nota, a Prefeitura de Fortaleza afirma que a Defesa Civil monitora constantemente as áreas de risco e os mananciais da Capital, e que "investe o ano todo na limpeza de 140 recursos hídricos e bocas de lobo de 84 vias que historicamente alagam em períodos de grandes chuvas". De acordo com a gestão, "estão sendo estocados, ainda, mantimentos, lonas, cestas básicas, colchões, rede e outros produtos de uso pessoal, caso ocorra situação de emergência".

O órgão aponta ainda que "evitar as edificações irregulares, não construindo em lugares inadequados, e fazer o acondicionamento correto do lixo doméstico, respeitando os dias de coleta" são medidas para evitar transtornos. Em relação à possível remoção das famílias desses locais, a Defesa Civil afirma que "elas podem receber o aluguel social ou serem abrigadas em casa de parentes ou amigos, tendo direito a cestas básicas mensalmente, além de redes e cobertores". Conforme a Prefeitura, "a Habitafor busca incluir as famílias nos programas habitacionais", e, em 2018, "foram entregues 8.776 unidades habitacionais".

A solução, porém, ainda é falha e esbarra em um desafio complexo, conforme analisa o professor do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal do Ceará (UFC), Bruno Braga. "Quando se tenta fazer um projeto para as comunidades dessas áreas, que geralmente são centrais e bem localizadas, as pessoas são colocadas muito distantes. E isso é ruim, porque quebra todos os vínculos sociais e de trabalho. Não funciona, elas acabam voltando", pondera, classificando a ocupação desses pontos como "ainda mais grave, porque é questão ambiental e social".

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