Fortaleza não depende apenas do Açude Castanhão para seu abastecimento

Mesmo com período do ano sem chuvas, Capital conta com sistema integrado entre açudes, canais, poços e adutoras

Escrito por Lêda Gonçalves - Repórter ,

Para quem tem água nas torneiras diariamente, parece difícil acreditar que o Ceará enfrenta o sexto ano de seca, numa crise hídrica das mais graves, duradouras de sua história e, com perspectivas nada animadoras para 2018. É assim, por exemplo, na casa do aposentado José Mariano de Sousa, morador do São João do Tauape. Ali, em plena semana, é possível flagrá-lo de bermudas, lavando o carro e a calçada usando uma mangueira. Para ele e sua esposa, dona Maria do Socorro, a simples ideia de que pode faltar água, se não economizar, parece coisa destinada somente para os outros. "Eu sei que a situação é bem ruim, mas é no Interior, né?", questiona, com concordância de sua esposa, como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo.

O comportamento dele, a falta de informação e consciência ambiental, infelizmente, ainda predominam na população de Fortaleza, onde a maioria não tem ideia de onde vem ou quanto custa garantir o abastecimento hídrico da cidade.

O certo é que, apesar de tudo, a Capital não enfrenta o desafio de comunidades inteiras dos municípios mais atingidos pela estiagem, na de busca por qualquer gota de água para sobreviver. Nesse período, mais de metade de uma década, a pecuária teve que se reinventar e a agricultura busca alternativas mais viáveis e sustentáveis.

Para especialistas, como o professor e ex-secretário de Recursos Hídricos do Estado, Hypérides Macedo, a única preocupação do fortalezense é com o Açude Castanhão, atualmente com volume de 3.8% de sua capacidade total. "Se ele tiver água, estamos salvos. A realidade não é bem assim", aponta.

E não é mesmo. Para pessoas como José Mariano e dona Socorro, por trás do ato de abrir a torneira e contar com a água, sem racionamento, existe uma verdadeira operação de "guerra" no gerenciamento e monitoramento do sistema integrado composto por 155 açudes monitorados pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), Eixão das Águas, Canal do Trabalhador, sem falar em poços, adutoras, estações de tratamento e bombeamento.

Para seu abastecimento, a Capital necessita de oito metros cúbicos por segundo e o Castanhão só oferta, atualmente, um oitavo disso, com um metro cúbico por segundo. "Já foi mais; no ano passado, chegou a oito metros cúbicos. A água agora está ficando lá, para manutenção de cidades do Vale do Jaguaribe e um resto de agricultura que ainda resiste", afirma o titular da Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), Francisco Teixeira.

Sem depender 100% do Castanhão, a Bacia Metropolitana, com 22 reservatórios, entre os quais, os do sistema Pacoti/Riachão/Gavião, vem suprindo a demanda de Fortaleza, juntamente com investimentos em adutoras, Eixão das Águas e Canal do Trabalhador, poços e ações como o reúso da lavagem dos filtros da Estação de Tratamento de Água Gavião, conseguindo com isso, colocar mais 400 litros por segundo (L/s) em circulação; combate às fraudes na rede, com 54 L/s até agosto passado; retirada de vazamentos (foram mais de 59 mil pontos identificados até setembro) e escavação de poços em equipamentos públicos da cidade.

"É um leque de novas fontes, além de uma gestão dinâmica, que nos dá mais segurança e faz do Ceará referência quando em recursos hídricos", comenta João Lúcio, presidente da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), citando os problemas de estiagem enfrentados por São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Francisco Teixeira, assim como João Lúcio Faria, não nega a situação grave enfrentada pelo Estado, e reconhece que se persistir a condição atual, só teremos água até agosto ou setembro do próximo ano. No entanto, pondera, até lá, ainda haverá uma pré-estação (entre dezembro e janeiro) e quadra chuvosa (fevereiro a maio), onde toda chuva será bem-vinda, além do resultado de investimentos, como o poço direcional, no Aquífero Duna/Cumbuco, que deve começar a fase de teste do primeiro ramal agora em novembro, com possibilidade de obter 200 litros por segundo. "A meta é investir em mais poços como esse, que poderão garantir cerca de 10% do abastecimento água em Fortaleza, como já disse o governador Camilo Santana".

Segundo ele, outras ações também estão por vir, como o reúso de afluentes para os polos industriais do Pecém e Maracanaú; a dessalinização e a transposição do Rio São Francisco, essencial para o Ceará. Sem falar no que já temos como o sistema integrado, que se mostra mais resiliente a cada ano. Com todas essas medidas, atingimos 21% de economia em comparação com 2014", salienta.

Para especialistas em segurança hídrica, como Hypérides Macedo, mesmo com toda essa rede de ações, gerenciamento e investimentos, Fortaleza já poderia ter racionamento de água desde o fim da quadra chuvosa, em junho passado. "E digo mais: essa medida poderia perdurar mesmo se a gente tiver bom aporte com a pré-estação e quadra. Até porque a situação hídrica no mundo todo é preocupante e as irregulares climáticas mais acentuadas a cada ano", defende.

Racionamento

O titular da SRH, Francisco Teixeira, discorda e justifica, dizendo que a Capital já sofre um tipo de racionamento, com a tarifa de contingência. "O cidadão tem que gastar 20% menos de água do que antes de 2015, senão paga multa". Em sua avaliação, como bons resultados, citando o volume consumido por ligação de agosto de 2017, que continua como um dos mais baixos da média histórica. "Comparado com agosto de 2014 a redução foi de aproximadamente 15%".

Teixeira também destaca o programa Ceará 2050, onde a questão hídrica é considerada estratégica. Nesse plano, adianta, a construção de uma rede de adutora é nosso foco. "Até porque temos açudes suficientes, rios perenizados, o Eixão com 255 km de extensão e o Canal do Trabalhador. Essas adutoras, não são aquelas de engate rápido, irão interligar tudo e levar água aos locais mais secos como sertão Central e Inhamuns".

Hypérides Macedo admite que não existe situação de pânico. "Até porque não existe chuva zero e, pelas observações até agora, temos chances de boas precipitações, pelo menos na média histórica, possibilitando boa recarga. O que nos dará mais fôlego até a chegada da transposição no território cearense".

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