Favelas de concreto e sonhos

Escrito por Redação ,
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Conjuntos residenciais enfrentam o desafio de crescer de forma sustentável, combatendo a chamada favelização

Aristóteles dizia que a moradia é o ambiente natural do ser humano, o lugar onde a vida pode ser a melhor possível. Isso porque ele viveu há 2.300 anos e nunca encarou um "apertamento" de 49 metros quadrados, como a família de Francisca Tavares, de 66 anos. Ela e mais sete pessoas - filhos, sobrinhos, netos e bisnetos - tentam se organizar da melhor forma possível no imóvel novinho no Conjunto Habitacional Juraci Magalhães, no Canindezinho.

É certo que eles tiraram literalmente o pé da lama, às margens do Maranguapinho. No entanto, já sofrem, como no antigo barraco, problemas relativos a degradação do espaço edificado, e a conflitos sociais, como a delinquência juvenil e tráfico de drogas.

"Os traficantes também se mudaram, já quebraram os brinquedos das crianças, picharam a fachada e roubaram os extintores de incêndio", comenta a senhora com lágrimas nos olhos.

O drama enfrentado por Francisca exemplifica a realidade vivenciada na maioria dos conjuntos residenciais de Fortaleza, construídos para minimizar o déficit habitacional da Capital, e que se transformaram em favelas cheias de problemas. Muitos entregues nos últimos dez anos estão descaracterizados por construções irregulares. Os da Cidade 2000 e da Rogaciano Leite levaram insegurança aos bairros e outros, moradores burlam a lei trocando ou vendendo seu espaço.

Os mais recentes são entregues no tijolo e sem acesso a serviços como Correios, telefone público, creche ou posto de saúde. "Mudei para cá e tiraram meu nome do posto lá no Siqueira e aqui não tem um perto", conta a aposentada Maria José Rocha da Silva.

Distorção

Na visão da socióloga e membro do Laboratório Estudos da Cidade, da Universidade Federal do Ceará, Vanessa Ferreira Araújo, a questão é maior e não se resolve apenas trocando a pessoa de lugar. Segundo ela, com as ausências das ações sociais, percebe-se que as trocas, vendas e reformas dos imóveis nos conjuntos habitacionais são compreendidas como práticas de distorção, ou seja, representam comportamentos ou respostas de oposição ao sistema oficial identificado pelos ocupantes de habitações populares. "A Prefeitura até tenta, mas ainda não conseguiu atuar nesse ponto e não é por falta de capacidade e nem de gestão", comenta.

A arquiteta e urbanista Mariana Reynaldo aponta que o problema continua a ser enfrentado de forma semelhante há 41 anos - idade do Conjunto José Walter, o primeiro da cidade, com a mera construção de unidades em massa, desarticulada da política urbana e social. A preocupação com a qualidade urbana e arquitetônica está longe de ser prioritária, assim como a adequação do programa às características regionais e urbanas específicas. "Se antes eram casas, hoje são os apartamentos do tamanho de nada e que levam, de certa forma, os moradores a se virarem".

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas tendo como base os números dos bairros, cerca de 350 mil pessoas moram nos diversos conjuntos residenciais na cidade.

Reprodução

É preciso repensar, com urgência, um olhar mais amplo no planejamento e gerenciado das políticas públicas, defende, o professor da pós-graduação de Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Luis de La Mora. Segundo ele, sem apoio do poder público, ex-moradores de palafitas ou favelas reproduzem em conjuntos habitacionais velhos hábitos e convivem com lixo, desordem e falta de saneamento.

Esse é o caso do conjunto São Cristovão, onde seus 27 mil habitantes ainda sofrem com a falta de esgotamento sanitário convencional. A luta está mais perto de terminar do que os moradores imaginam. Uma obra que incluirá 28.819 metros de rede coletora e uma estação elevatória, cujo prazo para conclusão é de um ano e três meses, promete resolver a questão. "Esperamos que sim, pois desde que aqui foi entregue, há 16 anos, que sonhamos com isso", diz o empresário Marcos Antônio de Oliveira.

Mudança

O presidente da Fundação de Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza (Habitafor), Roberto Gomes, reconhece que trabalhar a mudança de postura dos moradores dos conjuntos habitacionais populares é o principal desafio dos gestores. Sobre a questão do déficit habitacional em Fortaleza, a entidade trabalha com os dados levantados pelo IBGE: demanda de 75 mil domicílios e 22 mil famílias vivendo em áreas de risco. De 2005 a 2011, frisa, foram eliminadas 16 áreas de risco e não surgiu nenhuma nova desde então. "Também é interessante perceber como as demandas feitas através do orçamento participativo bate com as prioridades traçadas pela Defesa Civil para habitação".

Mesmo garantindo o máximo de benefícios concedidos aos residenciais, confidencia, ainda é preciso avançar no sentido da preservação dos espaços. Para começar, obras de manutenção no Conjunto Bárbara de Alencar II serão realizadas. Pintura de fachadas, consertos de calçadas e equipamentos estão entre as prioridades. Ali, a necessidade de reparos é grande e inclui descargas sanitárias, pois tem gente que não sabe ainda utilizá-las de forma correta.

Atendimento às comunidades carentes

1970
O Conjunto José Walter é inaugurado. É o primeiro desse tipo no Ceará e considerado uma dos maiores da América Latina. Hoje, é um bairro com 33 mil moradores, com comércio forte e variado e muitos equipamentos, entre eles, o Gonzaguinha.

1978 o Conjunto Ceará também é inaugurado. Projeto da antiga Cohab, foi projetado utilizando o conceito urbanístico de unidade de vizinhança e atualmente é um dos mais densos da Capital. É outro que se transformou em bairro e possui estrutura de pequena cidade.

1978 também é o ano em que outro conjunto residencial, o Palmeiras, surgiu em Fortaleza. Atualmente, o local é bairro com banco próprio, o Palmas, inaugurado em 1997, uma das instituições orgulho do local.

Além dos três citados acima, outros conjuntos foram sendo construídos na Capital. Exemplo disso, é o Esperança que abriga 16 mil habitantes. Fica próximo de outros bairros populosos.

Com 16 anos de existência, o Conjunto São Cristovão é hoje um dos mais disputados da Capital. Em 1995, um imóvel na área custava em torno de R$ 5 mil. Atualmente, o mesmo não é vendido por volta de R$ 50 mil.

Nos últimos anos, mais de 15 novos conjuntos habitacionais foram entregues cidade afora, abrigando, principalmente, moradores de áreas de riscos. Até outubro desse ano, segundo dados da Habitafor, 31.724 pessoas foram beneficiadas com moradias.

Exemplos não faltam: Conjunto Maria Tomásia. Lá, 1.126 famílias de abrigos públicos, demandas espontâneas e comunidades Zeza e Cazumba. Com área aproximada de 207 mil m² , a comunidade contra com urbanização, requalificação ambiental e Regularização Fundiária imediatamente assegurada.

Conjunto Rosalina. As primeiras 412 unidade entregues beneficiaram famílias da Regional IV. Foram investidos R$ 33 milhões, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES), tendo como órgão operador a Caixa Econômica Federal.

Maravilha é outro exemplo de novo conjunto habitacional. Foram 600 unidades entregues às famílias antigas moradoras às margens do Canal do Lagamar, no São João do Tauape. Além dele, 248 famílias que viviam nas ocupações do Rato e Reviver

CONJUNTO JOSÉ WALTER
Luta por calçamento persiste por 41 anos

Lindalva Ramires Pires, José Maria do Nascimento, Adalgisa Passos e Maria Alice Costa são vizinhos há 41 anos. Eles moram no Conjunto José Walter desde o início e são testemunhas das mudanças ocorridas no antigo residencial e hoje um dos bairros de Fortaleza. "Ah, minha filha, isso aqui era mato, longe do Centro, quase interior. Vi de perto das transformações, o crescimento, mas muitos dos problemas continuam sendo os mesmos", conta Alice.

O exemplo do que ela fala está na própria rua onde mora, a 54, na 2ª Etapa. Lá, a luta pelo calçamento passa pela história do José Walter. "Já fizemos inúmeros abaixoassinados, já perdemos as contas das vezes que conversamos com o pessoal da Prefeitura e das promessas feitas em vão", relata José Maria, mostrando o documento mais recente com assinaturas dos moradores e endereçado à Secretaria Regional Executiva V (SER V), responsável pelo bairro.

Nem tudo são problemas no bairro. Seus habitantes mais antigos se orgulham da história do local. E não é para menos. Quando inaugurado, em 1970, era considerado o maior conjunto habitacional da América Latina, com 5.500 casas. Hoje, já são mais de 33 mil pessoas residindo no local, de acordo com o último Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

"Somos do tempo em que só haviam casas nos conjuntos residenciais da cidade. Hoje, são apertamentos que quando um entra, o outro tem que sair porque não cabe no ambiente", ironiza o comerciante Francisco Célio Ferminiano, referindo-se aos atuais empreendimentos.

O José Walter tem origem no antigo Núcleo Integrado Habitacional do Mondubim. A região era habitada por inúmeras famílias pobres, como tantas da periferia, com pequeníssima infraestrutura urbana. Foi "desenhado" pelo arquiteto Marrocos Aragão segundo o modelo de uma cidade planejada.

LÊDA GONÇALVES
REPÓRTER
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