Falta de serviços prolifera doenças

Escrito por Redação ,

Os impactos são gerais e certeiros: 159 milhões de pessoas no mundo ainda bebem água não tratada, de fontes como córregos ou lagos, e todos os anos pelo menos 361 mil crianças com menos de cinco anos morrem por diarreia, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) - que alerta ainda que "o saneamento deficiente e a água contaminada também estão ligados à transmissão de doenças como cólera, disenteria, hepatite A e febre tifoide".

Fortaleza, 2018. Entre as ruelas sem placa, com nome manuscrito na parede, de improviso; as doenças que se espraiam são mais simples - mas não afligem menos. De quem vive ali, só quem lembra mesmo são os problemas, empurrados para o lado em período de eleição. "Ah, neste ano pode ser que alguém venha aqui, colocar os sapatos no esgoto", brada irônica a aposentada Rita de Cássia, 78, que vive a poucos quarteirões da praia do Titanzinho, mas desconhece o cheiro de maresia, completamente neutralizado pelo forte odor que exala do esgoto a céu aberto. Os bueiros borbulham, estourados. Fezes, urina e bichos correm livres, adentram casas, invadem narinas. Rotina.

> Acesso a água e esgoto ainda é gargalo no Ceará

"Tenho um marido de 79 anos acamado, e o esgoto passa ao lado da janela do quarto. O que é que a gente faz, se ninguém resolve? Será que os governantes queriam respirar essa água podre dentro de casa também?", questiona dona Rita, cuja voz se eleva à medida em que a paciência esgota, despertador para a indignação da vizinha, Socorro Dias, 48.

"E quando chove, que o esgoto alaga a casa da gente? Minhas duas irmãs já tiveram dengue, porque os mosquitos não deixam nem a gente dormir. Eu boto casca de ovo aqui, ó, e toco fogo, pra fumaça espantar eles", revela a dona de casa, apontando para a poça de lama à beira do portão - pesadelo ainda maior para a baixa imunidade da aposentada Maria Rita, 61. "Eu faço hemodiálise e fico numa tensão constante. Não posso nem sonhar em sentar na calçada, e dentro de casa sobe a catinga da pia, do vaso? Respiro isso 24h sem parar", declara.

Complexidade

Para o doutor em Saúde Coletiva e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Marcelo Ferreira, enxergar problemas de abastecimento e saneamento básico - que além de água e esgoto envolve o manejo de resíduos sólidos - como fatores promotores de doença é "o nosso principal desafio e deve ser tratado como uma questão complexa", sobretudo em contextos como o do Ceará. "Principalmente nas populações que têm menor abastecimento desses serviços, as doenças são várias, desde infectoparasitárias e infecciosas até as arboviroses, que são um dos maiores problemas enfrentados pelo Estado", analisa.

Os transtornos para as periferias, na opinião do especialista, são agravados por deficiências além do mau funcionamento dos sistemas de água e esgoto. "Essas regiões são as mais afetadas não só pela falta de serviço de saneamento, mas pela ausência e ineficiência de vários serviços públicos. Saúde é conceito complexo, exige intervenção direta do Estado, e faltar condições adequadas de moradia, saneamento e educação, por exemplo, também contribui para perfil diferenciado nesses locais", destaca Ferreira.

O que acontece, como pondera o médico sanitarista, é uma espécie de círculo vicioso, que dificulta a manutenção da saúde da população. "De um lado, temos um esforço da Secretaria Municipal da Saúde para fornecer atenção básica, diagnosticar corretamente, dar encaminhamento e manejar a doença. Do outro, encontram-se pacientes reincidentes, porque se deixa a desejar na resolução dos motivos que o levaram a adoecer. É preciso um olhar amplo sobre essa complexidade", conclui.

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