Falta de profissionais atrasa adoção de crianças no Ceará

A Lei da Adoção determina prioridade aos processos desse público, mas esbarra no despreparo do Sistema

Escrito por Theyse Viana - Repórter ,
Legenda: Se do lado de fora a língua é uma barreira para a comunicação, em casa, o aprendizado de Pedro é diário: das letras do alfabeto em Libras ao gesto de "eu te amo" direcionado aos pais
Foto: Foto: Saulo Roberto

As filas, historicamente, são grandes: 150 crianças e adolescentes estão disponíveis para adoção no Estado do Ceará e 588 pretendentes habilitados aguardam por elas, de acordo com o Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Se a falta de profissionais no Sistema Judiciário já atrasa os processos comuns e alonga a espera, a situação é ainda pior quando os adotandos têm algum tipo de doença ou deficiência - uma realidade de mais de 9 mil deles no Brasil, dos quais quase 5 mil constam como disponíveis no CNA.

Em Fortaleza, 18 crianças e adolescentes com algum tipo de necessidade especial - como autismo, paralisia cerebral e microcefalia, por exemplo - aguardam na fila de adoção, de acordo com lista do Setor de Cadastro de Adotantes e Adotandos do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). Conforme determina a Lei da Adoção, processos que envolvam esse público devem ter prioridade - direito que esbarra no despreparo do Sistema. "Não adianta a Lei dar celeridade se os órgãos de Justiça não contratam profissionais suficientes para realizar os relatórios psicossociais, se não temos defensores públicos, promotores e juízes suficientes. A Lei se torna letra morta", critica o supervisor do Núcleo de Defesa dos Direitos da Infância e da Juventude (Nadij) da Defensoria Pública Geral do Estado, Adriano Leitinho.

Um obstáculo ainda mais específico fez tardar a efetivação da adoção de Pedro Igor, 5, pelos pais, a professora Germana Araújo, 32, e o administrador Leonardo Rodrigues, 29. A última audiência para obter a guarda do pequeno foi adiada porque o Tribunal de Justiça não dispunha de intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras), necessária para a comunicação do casal de surdos e do filho. "Eu disse que eles precisavam chamar um, mas falaram que tinha de ser por minha conta. Chamei a Bruna e não permitiram, porque ela é amiga. Me senti muito chateada", relata Germana, por meio da sinalização da intérprete Bruna Martins, 20.

Fluência

A necessidade de "escrever em papéis e fazer mímicas", aliás, apareceu desde o início do processo, quando ela e o esposo conheceram (e se apaixonaram) por Pedro, ainda no abrigo, em novembro de 2017. "Ele era muito tímido, não sabia sinalizar como hoje, com fluência, e ficava sozinho lá. Fiquei com o coração partido por ele sofrer com isso", relembra Germana. "Por ele ser surdo, ele vai se desenvolver mais rápido com uma família surda", comemora a mãe do pequeno, cujos documentos com a filiação atualizada devem sair em duas semanas.

O supervisor do Nadij garante que existe uma busca ativa por crianças e adolescentes com deficiência nos acolhimentos do Estado, a fim de "anunciar a existência" delas e estimular as adoções, mas reconhece o despreparo do Judiciário. "Não temos profissionais habilitados para servir de intérpretes e auxiliar juiz e promotores. Nós, defensores, também não temos conhecimento dessa língua. O Tribunal não conta com intérprete nos seus quadros. Existe esse despreparo, o Sistema não está pronto", lamenta Leitinho, acrescentando ainda que é preciso "quebrar o preconceito com os pretendentes e ter a consciência de que são sujeitos de direito como qualquer outro".

Auxílio

"Muitos surdos estão vindo conversar com a gente pra saber como é o processo. Eu quero mostrar pra sociedade que a gente é capaz, que ela deve abrir a mente, aprender Libras. O português é um auxílio, mas a gente tem que ir nos lugares e ser respeitado na nossa língua. Nós existimos", sentencia a mãe do garoto Pedro Igor.

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Legislação estipula prazo de 120 dias

A Lei da Adoção (nº 13.509/2017), que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estipula que o prazo máximo para conclusão da habilitação à adoção é de 120 dias, podendo "ser prorrogado por igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária".

Atualmente, de acordo com a promotoria da 3ª Vara de Infância e Juventude da Comarca de Fortaleza, o tempo médio de espera dos futuros pais na fila na Capital é de 18 meses - demora que, em geral, é atribuída a um suposto perfil-padrão de criança exigido pelos pretendentes. Entretanto, de acordo com o promotor Dairton Oliveira, "das 241 famílias que estavam habilitadas na fila de adoção da Capital até julho deste ano, apenas 5% destinavam seu perfil a bebês".

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