Falhas em cadastro geram incerteza sobre a idade real dos imóveis em Fortaleza

A Capital tem hoje 871 mil edificações no cadastro imobiliário da Prefeitura, cujos registros são a partir de 1901. Mas, lacunas históricas criaram incerteza quanto à real data de construção dos prédios distribuídos nos 121 bairros

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
Legenda: Entorno da Av. Antônio Sales em 2019 e o evidente crescimento imobiliário na área

Qual a idade da sua residência? E dos imóveis vizinhos? Perguntas que talvez não inquietem tantas pessoas, mas cujas respostas são fundamentais para compreendermos, por exemplo, a necessidade de preservação dos imóveis que habitamos, definirmos qual o tipo de manutenção necessária, preservamos as características, guardamos as memórias do lugar e também cobrarmos do poder público o controle urbanístico das edificações que nos rodeiam.

Em Fortaleza, falhas históricas no cadastro imobiliário - uma espécie de inventário territorial da cidade gerenciado pela Prefeitura - resulta em desconhecimento sobre a idade real dos milhares de imóveis distribuídos nos 121 bairros.

Mas, como essa lacuna afeta nossa casa, os imóveis que frequentamos ou, em maior grau, o desenvolvimento de Fortaleza? A imprecisão do cadastro imobiliário - maior registro público da situação dos imóveis -, faz com que a cidade que, de fato, existe, muitas vezes, seja ignorada.

Com a falta de informações, aquilo que é tido como oficial em relação a sua moradia, o prédio do seu trabalho, a edificação onde você faz compras pode não corresponder às condições reais desses imóveis. Seja casa, apartamento ou comércio.

Foto: Foto: Fabiane de Paula

O efeito é a distorção da realidade e os possíveis equívocos na execução de ações de planejamento e controle urbanístico por parte do poder público. Um dos problemas, por exemplo, é um bairro com bastante imóveis antigos ser tratado como um território recém habitado e outro de estruturas novas e muito ocupadas ser registrado como "deserto".

Essa semana, o Diário do Nordeste traz a série de matérias "Cidade: História Edificada" sobre os imóveis da Capital. A reportagem obteve por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) um conjunto de dados do cadastro imobiliário oficial de Fortaleza no qual são detalhadas a quantidade de imóveis por bairro e o ano estimado das construções.

CADASTRO TEM IMÓVEIS A PARTIR DE 1901

Embora Fortaleza tenha imóveis dos anos de 1800, no cadastro imobiliário oficial da cidade, gerenciado pela Secretaria de Finanças do Município (Sefin), os registros só constam a partir de 1901. Essa espécie de raio X, inclui, além do ano de construção, a localização, o tamanho e o tipo. Essas informações são fruto de uma sucessão de registros feitos no decorrer dos anos em cartórios, mapeamentos públicos e declarações feitas à Prefeitura pelos próprios proprietários.

Com o passar do tempo, devido à ausência de recursos administrativos e tecnológicos que assegurassem o amplo monitoramento da condição dos imóveis, as gestões municipais agregaram informações a esse cadastro sem verificações in loco.

Para garantir a veracidade do cadastro é preciso, pelo menos, duas ações: os proprietários devem atualizar a situação dos prédios junto ao Município - obrigação legal pouco cumprida- e o poder público monitorar periodicamente as edificações.

Apesar de não ser possível ter certeza absoluta de que a data contida no cadastro é a de construção, conforme a Prefeitura, o levantamento obtido via LAI, é o mais completo dessa natureza que município possui. Ele é usado oficialmente para cobrar o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e é por isso que é a Sefin (pasta relacionada a cobranças de tributos e não ao urbanismo) que detém essas informações.

"De fato, no Brasil ainda aparece uma tendência de ter cadastro imobiliário somente para cobrar tributos, mas isso começa a mudar. Porque quando o povo sabe que a utilidade não é só cobrar imposto, isso muda", afirma o professor do Grupo de Pesquisa em Cadastro Técnico Multifinalitário e Gestão Territorial da Universidade Federal de Santa Catarina, Carlos Loch.

Foto: Foto: Fabiane de Paula

Segundo ele, o ideal é que o banco de dados sirva para subsidiar todas as secretarias para que a infraestrurutura, o urbanismo, a cultura, dentre outros, possam usa-lo para ter dimensão de obras, patrimônio, planejamento e etc.. "Não se pode ter uma avaliação superficial da cidade. É preciso usar da tecnologia para, de fato, saber como atuar", ressalta.

Conforme a servidora da Sefin, responsável pelo setor de cadastro imobiliário, Fernanda Farias, a Prefeitura tenta modernizar o banco de dados que até 2013 era alfanumérico, ou seja, utilizava caracteres para designar a zona do imóvel, o quarteirão, o lote e a inscrição. Só em 2013 foi implantado um cadastro georreferenciado, na qual o mapeamento se dá por imagens.

INFORMAÇÕES AJUDAM NO PLANEJAMENTO URBANO

Conforme os dados, Fortaleza tem 871.689 imóveis contabilizados na Prefeitura, distribuídos nos 121 bairros. Desses, há conhecimento da idade de 84,8% e o Município cobra IPTU de 774.293 edificações.

Conforme apurado, embora conste centenas de imóveis edificados antes de 1960, somente a partir dessa década é que o registro de edificações passou a ser mais realista e criterioso. Isto por conta da implantação do sistema de arrecadação tributária. Nesse período, há imóveis cadastrados em 99, dos 121, bairros.

Foto: Foto: Fabiane de Paula

A relevância de saber precisamente a idade dos imóveis, explica o arquiteto e urbanista, mestre em Geografia, Frederico Nunes, é garantir uma atuação justa por parte do poder público, que passa opera baseado em informações consistentes. "Não se pode ter uma avaliação superficial da cidade. É preciso usar da tecnologia para, de fato, saber como atuar", explica.

"Se você conseguir identificar a idade do imóvel, você entende também que aquele imóvel representa todo um processo histórico de evolução da Cidade. É através também desse processo que podemos estabelecer padrões de proteção patrimonial para os edifícios".

Para o advogado, presidente da comissão de direito imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil secção Ceará (OAB-CE), Hebert Reis, a desatualização no cadastro, além da não tributação das edificações, gera lacunas no planejamento urbano e até impacto no mercado imobiliário.

"Se eu não tenho informações sobre a situação real da cidade, fico achando que determinada área está bastante ocupada", ressalta. "Mas, na prática, por trás dessa declaração que atualiza a idade do imóvel, tem taxas. Tem despesa. Muitas vezes, tem aumento de IPTU. Então, dificilmente o cidadão vai criar ônus para si. Por isso que fica a cargo da Prefeitura monitorar essa ocupação e ter controle sobre a idade de construção dos imóveis", explica Hebert.

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Atualização
A Prefeitura, através da Sefin, em 2013, desenvolveu o Sistema de Informação Territorial de Fortaleza (Sitfor). Somente a partir desse ano que o cadastro passou a ter consistência com a modernização do acervo de plantas de loteamento e a transformação das informações analógica em digital.

Mapeamento aéreo
Para atualizar, um empresa foi licitada para realizar um voo em dezembro de 2010 em uma espécie de mapeamento aéreo. Outro voo ocorreu em dezembro de 2016. O sobrevoo foi em faixas previamente identificadas da cidade.

Processo diário
No cadastro devem constar, segundo a Sefin, todos os imóveis de Fortaleza, independentemente de sua condição regular ou não. A pasta informa que a atualização do cadastro é feita diariamente. 

Legenda: Imagem aérea do entorno da Av. Antônio Sales na década de 1960, quando o cadastro de imóveis passou a ser feito com mais rigor em Fortaleza
Foto: Foto: Arquivo Diário do Nordeste

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