Esgotos "estourados" denunciam falhas em saneamento da Capital

Mesmo em regiões onde o esgoto das residências é ligado à rede coletora da Cagece, obstruções e extravasamentos são constantes, causando transtornos à infraestrutura da cidade e à saúde da população

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@diariodonordeste.com.br

O prazer de sentar à mesa no café com a família se perdeu para o aposentado Aluísio Correia Lima, 73. A garganta arde, e olhos e olfato marejam de desgosto ao abrir o portão de casa, no bairro Vila Velha - junto com a brisa da manhã, o mau cheiro invade as narinas, e o olhar encara um rio de lama inundando a avenida, as calçadas e a praça destruída à frente de casa, resultado das dezenas de bueiros "estourados" no local.

Morador do bairro da Regional I há mais de 40 anos, o aposentado afirma que o problema é frequente - e torturante à saúde dos que vivem ali. "É muito triste abrir o portão e me deparar com essa água fétida, de fossa. Minha mulher já adoeceu por causa disso, e a gente já teve que botar a mão na massa pra quebrar tudo e a água escorrer", relata Aluísio, que, junto ao filho e aos vizinhos, organizou uma operação para abrir valas no asfalto, a fim de facilitar o escoamento do esgoto.

Além do prejuízo na infraestrutura, a falha no saneamento básico afeta também o bolso. "Já tive vários prejuízos, (a água) acabou com os meus móveis. Minha conta da Cagece deu mais de 200 reais, e só de esgoto eu paguei R$ 80. É triste pagar sem ter o serviço de volta, nós somos esquecidos aqui", reclama, endossado pelo filho, Aluísio Júnior. "Já foram feitas mais de 20 denúncias, por vários moradores, porque o quarteirão inteiro está prejudicado. Uma atendente uma vez fez foi dizer que a gente procurasse o Ministério Público ou o Procon", relembra o professor.

Drenagem

O comerciante Fábio Oliveira, 55, aponta que também teve a saúde afetada pelo esgoto exposto na via, já que a porta da mercearia de onde tira o sustento é tomada pela água suja. "Moro aqui há 11 anos e presencio essa situação desde que cheguei. Piora sempre que chove. A Cagece vem e mede, pra fazer a drenagem, mas nunca faz. Tô perdendo cliente, porque quem é que vem pra um lamaçal deste aqui? Quem é que aguenta esse mau cheiro?", questiona.

Para o técnico em edificações e morador da Avenida L, Cláudio Amora, há uma "falha clara" no dimensionamento da rede local. "Aqui falta um coletor de drenagem. Todos os esgotos estouraram e não tem como drenar, as casas do terreno mais baixo recebem todo o problema. Se tivesse coletor, não teria acontecido", avalia.

Do outro lado da cidade, no bairro Jangurussu, a vendedora Celma Pereira enfrenta o mesmo problema - desde o início de janeiro, o esgoto invadiu o quintal, a cozinha e até o banheiro da residência. "Vivo com dor de cabeça direto, e o mau cheiro não tem quem suporte. Tenho uma criança de um ano e três meses em casa, é um problema urgente que ninguém resolve", lamenta Celma, que chegou a contratar um serviço particular para desentupir a rede coletora, o que também não funcionou.

Saneamento

Em nota, a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) reconhece que "em época de chuva, a destinação de águas pluviais agrava as ocorrências de extravasamento de esgoto", mas atribui o problema à população. "Um dos maiores agravantes consiste no mau uso. O sistema foi dimensionado para receber apenas esgoto doméstico, mas durante as limpezas realizadas, são encontrados lixo, areia e óleo de cozinha", pontua.

Questionada sobre a periodicidade com que limpezas preventivas são feitas, a Companhia informa que "depende da necessidade de cada local". Já as desobstruções emergenciais "são feitas diariamente em Fortaleza e na Região Metropolitana".

Cobertura

Atualmente, 62% dos domicílios da cidade contam com cobertura da rede de esgoto da Cagece, número estagnado pelo menos desde junho de 2018. Nos 152 municípios do Ceará onde a Companhia opera, mais da metade (57,6%) não possui rede coletora.

Conforme a Cagece, o foco é universalizar os serviços no Estado, mas "um dos maiores desafios para ampliação do acesso é superar a pouca disponibilidade de recursos para captação pelos órgãos financiadores". Além disso, aponta a Companhia, "a baixa adesão da população ao serviço de esgotamento sanitário é outra dificuldade das prestadoras de serviço de saneamento básico. Nesses casos, a rede encontra-se disponível, mas não é interligada pelo cliente".

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