Entrevista Viviane Senna: "a escola é uma fábrica de gente"

Referência quando o assunto é educação, a psicóloga, empresária e irmã do piloto Ayrton Senna defende o ensino regular atrelado a competências socioemocionais e o aprimoramento de práticas pedagógicas

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@diariodonordeste.com.br

A fala tranquila, mas segura, transparece a expertise de quem há 23 anos preside o Instituto Ayrton Senna, entidade que contribui para ampliar as oportunidades de crianças e jovens por meio da educação. Uma das especialistas mais lembradas quando o assunto é ensino e aprendizagem no Brasil, Viviane Senna chegou a ser cotada para assumir a Pasta na gestão Bolsonaro, que a desejava como a ministra. Ela recusou, mas continua à frente de uma rede formada por gestores públicos, educadores, pesquisadores e outras organizações para continuar construindo políticas e práticas educacionais que, em duas décadas, já impactaram mais de 22 milhões de estudantes e 220 mil educadores, em duas mil cidades brasileiras. Ontem, ela palestrou em Fortaleza para integrantes do Lide Ceará, grupo independente de líderes empresariais com foco no desenvolvimento socioeconômico do Estado. Na ocasião, ela concedeu entrevista à reportagem do Sistema Verdes Mares.

O maior gargalo da educação brasileira ainda é a alfabetização?

O Brasil tem que lidar com um paradoxo. De um lado, com a lição de casa não feita no século XIX, que é ensinar a ler, escrever e calcular coisas básicas; ao mesmo tempo, tem que lidar com as demandas novas do século XXI, que é ensinar a trabalhar em time, colaboração, tolerância, persistência, resiliência. Ele terá que fazer as duas coisas, não dá pra escolher só um lado. Qual é o papel do profissional de educação nesse processo?

O professor, sozinho, responde por 70% do aprendizado. Mas a universidade no Brasil é muito descolada da realidade, ela não forma os professores para darem aula. Os alunos de pedagogia são incentivados a fazer pesquisa, não a dar aula. Não têm prática de sala de aula, ou didática. Joga-se o professor na sala, despreparado, e a criança não aprende. É muito importante que a formação inicial dos professores seja melhor.

As novas tecnologias potencializam ou atrapalham?

Tecnologia é que nem um piano. Você pode tocar um hino ou uma canção pornográfica. É um meio; o que você vai fazer com o meio é algo que você escolhe, e a sua escolha depende muito da sua formação. Por isso, educação é cada vez mais relevante.

O Ceará se destaca quando o assunto é escola de tempo integral. Esse modelo é mesmo o ideal?

A educação integral é mais que o tempo integral porque você pode fazer uma educação pobre, antiga e convencional no tempo integral. Acho que o Estado do Ceará está fazendo isso nos dois, se voltando para um conceito mais amplo que vai além da fronteira cognitiva e preparando as crianças pra vida, não só pra prestar vestibular.

Quais são as principais parcerias do Instituto aqui no Ceará?

Temos trabalhos grandes em Fortaleza e em Sobral, sempre dentro dessa visão de uma educação integral e plena. São diferentes iniciativas na rede estadual de acordo com as demandas de cada um desses lugares.

As empresas têm aumentado a participação no terceiro setor?

Ao longo desses 20 anos, tem havido uma mudança de consciência bastante importante no mundo empresarial. No começo, as pessoas falavam que a obrigação delas era pagar impostos, e encerrava aí. Hoje, as empresas entendem que elas são corresponsáveis não só por resultados financeiros, mas pelo conjunto de bem-estar da sociedade em que elas estão.

Quais são as perspectivas para o novo Governo?

Meu pensamento é que temos que ajudar a todos, seja o novo ministro da Educação, os novos governadores ou os novos secretários. Precisamos estar do mesmo lado porque as crianças vão ser as beneficiárias. O novo ministro merece toda a ajuda e, da nossa parte, terá todo o apoio necessário. Também vamos ajudar os novos secretários de educação no diagnóstico do próprio Estado. Nós existimos para isso, é a nossa missão.

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