Edisca forma adolescentes e crianças para além da arte

A escola de dança realizou, ontem, a seleção de 110 novos alunos para projetos artísticos e sociais

Escrito por Theyse Viana - Repórter ,

O dom fluiu pelo cordão umbilical, como herança-presente ganha por Silmara, 9, antes mesmo do nascimento. A vocação para a dança, sustentada na postura já elegante do corpo ainda tão infantil, conduz os movimentos da pequena desde que ainda habitava o ventre da mãe, a dona de casa e ex-bailarina Samara Veras, 28 - cujos olhos marejaram ao ver a filha ser uma das aprovadas no teste de seleção da Escola de Dança e Integração Social para Criança e Adolescente (Edisca), realizado na manhã de ontem na sede da instituição, no bairro Parque Manibura.

"Aos 7 anos, passei no teste de um projeto do meu bairro. Dancei até os 17 e precisei parar por um problema nos joelhos. Nunca tive condições de colocá-la num balé particular, mas agora ela vai fazer", relata, com voz embargada, a mãe de Silmara - que, mesmo tão pequena, já tem na ponta da língua o "sonho de ser bailarina profissional e famosa". "Eu sinto muita alegria quando eu danço, puxei à minha mãe!", exclama, com sorriso emoldurado pelas covinhas que marcam as bochechas.

Ao lado dela, centenas de crianças entre 7 e 12 anos e adolescentes de 13 a 17 participaram dos testes para ocupar as 110 novas vagas disponíveis na escola, que tem capacidade máxima para atender 400 pessoas. Além da formação artística, os alunos recebem assistência escolar, psicológica e de saúde, além de alimentação e transporte. As vagas são voltadas a famílias de baixa renda de bairros cujos indicadores sociais são avaliados como negativos. "A Edisca foi criada para gerar oportunidades concretas de desenvolvimento humano e promoção social. O que fazer com os filhos dos mais pobres? Dar o que damos aos nossos: atenção, exigência, compreensão, valorização dos avanços e suporte nos regressos", resume a idealizadora da escola, Dora Andrade.

Expressão

Para ingressar na escola, ressalta a psicóloga da Edisca, Madeline Abreu, não é preciso ter experiência - e sim muita vontade de evoluir. "A ideia é fortalecê-los, instrumentalizar o conhecimento de mundo e de direitos. É um processo longo e difícil, porque trabalhamos aqui, mas o meio em que eles vivem os desencoraja. Não ganhamos todas as batalhas, mas temos tido muito sucesso", relata, ressaltando, ainda, a essência do trabalho: "A arte tem poder. Ela mexe com a autoestima, a sensibilidade, estimula as crianças e adolescentes a quererem o que é belo para elas e pensar no valor do corpo, não só no sentido físico", conclui.

Transpõe o físico e até o dizível, inclusive, o modo com a dança conduz Carina Grasiele, 19, aluna da Edisca há um ano. "Com a dança eu percebi que eu não sei falar com palavras. É o meu corpo, a minha alma que fala por mim", sorri a bailarina, relembrando que precisou ser convencida pela irmã a fazer o teste para entrar na escola.

"Já tinha desistido porque não é fácil. Quem dança tem que ter muita coragem. Mas eu me sinto muito feliz quando, depois de todo ensaio e esforço, subo no palco e, no fim do espetáculo, sou aplaudida por tanta gente. Não tem recompensa maior do que essa", emociona-se, assistida pelo olhar curioso de Ryan, 9, que aguardava ansioso para o teste no qual também conquistaria a aprovação.

Sonho

"Eu gosto demais de dançar. Minha prima faz balé e volta muito alegre. Quando eu danço, sinto isso também", afirma, sem sequer desconfiar do significado da aprovação para a mãe, a dona de casa Natália Aráujo. "Eu quero dar a ele uma coisa que eu nunca tive e tirá-lo das ruas de onde a gente mora (no bairro Bom Jardim), porque tem muita violência. Eu tinha esse sonho para mim, de ser bailarina, mas não pude. Agora realizo o dele", relata, com o projeto frustrado latente, entalando a passagem da voz.

Na manhã de ontem, Ryan era um dos somente quatro meninos que participavam da seleção na faixa etária de 7 a 12 anos - outro deles era Samuel, 11, que retornou à seleção após perder uma vaga na Edisca pelo excesso de faltas.

"Ele tem aptidão pra dança desde o 7 anos, todos incentivam. Mas faltava muito as aulas por não ter condições financeiras para se deslocar do Álvaro Weyne, onde a gente mora, para cá", explica o tio, o cabeleireiro Alexandre Gomes, 38, cujos olhos estampam orgulho pelo talento visível do sobrinho - para quem "a dança é vida".

Protagonista

Amor transmitido aos alunos

É além dos passos orquestrados pelo corpo onde mora o amor de Paulo Wesley, 21, pela dança. Aos 7, o acaso se fez sorte e traçou o destino do bailarino, que foi acompanhar a irmã em uma seleção da Edisca e acabou sendo aprovado e adotando os palcos e salas espelhadas como casa.

Paulo Wesley Barbosa. Bailarino e professor

Fique por dentro

História de desafios e superação

Apesar da importância sociocultural, a escola de dança ainda esbarra em falta de apoio e investimentos. "Há cinco anos, não conseguíamos trabalhar com a nossa capacidade máxima. Mas fizemos um projeto, aprovado pelo Governo do Estado, e, pelos próximos cinco meses, poderemos atender as 400 crianças e adolescentes", afirma a idealizadora da Edisca, Dora Andrade. "Parte do dinheiro será utilizada na recuperação do telhado, da fachada e das instalações da nossa sede, que tem cerca de 18 anos de construção", conclui.

A Edisca é uma organização educativa em dança, sem fins lucrativos, fundada há 26 anos. Com ações para o desenvolvimento do potencial artístico de crianças e adolescentes das periferias e bairros de Fortaleza que apresentam riscos para a infância e adolescência, a Instituição já foi agraciada com a Ordem do Mérito Cultural em 2012, concedida pelo Ministério da Cultura, e envolveu em seus programas artísticos e sociais 2.066 pessoas.

Oportunidade

Dançar em busca da felicidade

Image-2-Artigo-2349700-1 Image-0-Artigo-2349700-1

Ser aluno da Edisca significa muito para crianças e adolescentes de comunidades carentes de Fortaleza, que

Têm na Escola uma chance, não apenas de ocuparem o tempo com algo prazeroso, mas de alçar voos que não podiam imaginar serem possíveis a eles. O sonho não se realiza apenas na seleção, mas a cada ensaio e apresentação da qual participam (Fotos: José Leomar)

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.