Criança de 10 anos é mãe em Itapipoca

Escrito por Redação ,
Legenda: N.F.S. há até pouco tempo brincava de boneca e agora aprende a cuidar do filho. Para sua mãe, “criança não pensa”
Foto: Neysla Rocha

Sonhos desfeitos, infância interrompida. A gravidez que chega antes da hora causa danos com repercussão muito além do presente. Queima de etapas, diminuição da auto-estima, interrupção nos estudos e prejuízos ao futuro profissional são apenas algumas das conseqüências previsíveis. Os filhos não ficam imunes ao despreparo e ao tormento emocional de meninas-mães perante a gestação e que se intensificam quando aliados a condições socioeconômicas desfavoráveis. A série de reportagens que o Diário do Nordeste publica, a partir de hoje, aborda as diversas facetas da gravidez na adolescência. A história de N.F.S., que engravidou com 10 anos, é emblemática para retratar um problema já considerado de saúde pública e crescente no País.

Mozarly Almeida
Editoria de Cidade

O corpo é quase de mulher. Mas o jeito tímido, desconcertado e, por vezes, travesso denuncia a meninice. Assim que completou dez anos, N.F.S. engravidou e, agora, é mãe de um bebê nascido em 20 de outubro último. Com a maternidade que chegou antes mesmo do sentimento maternal, põe nos braços e dá de mamar ao filho tranqüilamente. Contudo, ainda está aprendendo a carinhá-lo e admite não saber exatamente o que sente pela criança.

A notícia da gravidez abalou a família e o município do interior cearense de Itapipoca, distante 130 quilômetros de Fortaleza. Transcorrido perto de dois meses do parto cesariano, a garota não dá demonstrações de ter noção do significado de ser mãe tão cedo. Também aparenta pouca preocupação com a incerteza diante do futuro.

Filha de agricultores da localidade de Saquinho, distrito de Arapari, a criança (o Estatuto da Criança e do Adolescente considera infância a faixa de zero a 12 anos) teve o filho no hospital São Camilo de Itapipoca, onde permanece na casa dos avós maternos, até mesmo num artifício da família de afastá-la do pai do bebê, que também reside em Saquinho.

“NÃO PENSA” - N.F.S. namorou quase um ano com Francisco das Chagas de Lima, 26 anos, que antes havia sido namorado de uma de suas irmãs, A.P.S., de 14 anos. Com os olhos baixos e um sorriso nervoso, N. confessa que já gostava dele dessa época.

Na família, sobretudo entre os mais velhos, como os avós, o clima é de revolta. “Isso não pode ficar assim. Ele não podia ter feito isso com minha menina”, diz dona Francisca Ferreira dos Santos, mãe de N. e de mais seis filhos. Também reclama porque o “sujeito ainda está solto” e afirma que vivia “pastorando” N., mas ela sempre dava um jeito de escapar com o namorado, antes benquisto pelos pais da garota.

“Criança não pensa”, queixa-se a mãe. A seguir, em tom de resignação, afirma pretender ajudar a filha e o neto enquanto poder. Por conta da imaturidade da filha, a avó incorporou o papel de mãe e se desdobra em cuidados com o recém-nascido e com as instruções dadas a N. sobre como lidar com o bebê.

Tolerância igual N. não encontrou no pai, José Matias dos Santos. “Ele disse que não queria saber de filha sua barriguda dentro de casa”, comenta, informando que o pai vivi bêbado e a ameaçou de expulsá-la de casa. “Não gosto dele”, dispara.

N. nasceu em 12 de dezembro de 1995, engravidou poucos meses depois da menarca (primeira menstruação). Estudante do terceiro ano do Ensino Fundamental, sua capacidade de leitura fica aquém de um aluno bem sucedido da alfabetização. Diante de um pequeno texto, não consegue ler palavras como “assembléia” ou “homenagem”. A gravidez a fez deixar a escola, perdeu o ano e, ainda, não sabe quando retomará os estudos.

Sobre os métodos anticoncepcionais, diz que ouviu falar e que chegou a usar camisinha com o namorado, mas logo desistiram. Quando a menstruação falhou e começou a vomitar, N. disse ter conversado com a irmã , A.P.S.. Depois contou para o namorado que estava grávida. “Ele não acreditou”, recorda, num risinho tímido.

Mas embora não desejasse a gravidez, comenta não ter ficado preocupada. Afirma, aliás, nada ter sentido com a descoberta. Escondeu o fato dos pais somente por medo da reação deles.

A mãe descobriu sozinha a gravidez da garota, denunciada pelo crescimento da barriga, isso já por volta do quinto mês de gestação. Só então N. foi levada a um médico e passou a fazer pré-natal.

“Há bem pouco tempo ela brincava de boneca com o meu filho de nove anos”, recorda a tia, Maria Ferreira Gomes, em tom de revolta e perplexidade.

De poucas palavras, em sua inocência de menina e mãe precocemente, N. deixa escapar o incômodo com os “fuxicos do povo da cidade” e a saudade do homem que a fez mulher. “Gosto dele”, sussurra.

Dona Francisca, em seu coração apertado de mãe madura, admite que precisará acompanhar a filha mais de perto. “Vou conversar muito com ela”, fala a humilde sertaneja.

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