Construção em risco de desabamento abriga mais de 100 famílias

Antiga quadra poliesportiva da sede de uma ONG se converteu em cenário de abandono, ocupado por lixo, animais, esgoto ao ar livre e dezenas de moradores em barracos improvisados

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@diariodonordeste.com.br
Legenda: Grande quantidade de crianças em situação de vulnerabilidade no local chama atenção
Foto: FOTO: NATINHO RODRIGUES

Lixo, urina e água da chuva misturados, entulho, roupas e móveis velhos boiando na lama. Umidade, mofo, crianças (muitas!) se equilibrando no caminho improvisado de tijolos, para não mergulhar os pés na água de fezes de rato, de barata, de gente. Paredes rachadas, curvadas, sustentadas por milagre ou sorte. Inabitável. Insalubre. Essas são as primeiras descrições possíveis para o ambiente onde mais de 100 famílias vivem na Ocupação Raio de Luz, uma quadra poliesportiva abandonada e de estrutura condenada pela Defesa Civil de Fortaleza.

A construção, no bairro Aerolândia, é morada - porque aqui não cabe "casa", muito menos "lar" - para Edini Saraiva, 58, há três anos, desde que perdeu o benefício por invalidez que recebia da Previdência Social e ficou sem condições de arcar com o aluguel. No barraco erguido com tijolos e coragem, divide espaço com o marido, mais cinco pessoas de outra família, escorpiões "e tudo que é bicho que aparece".

O bebê de seis meses tava dormindo na cama com um escorpião do lado dele. Salvamos por pouco” Rose da Silva, moradora da ocupação

"A Defesa Civil disse que não tem condições da gente ficar aqui, que vai ser um efeito dominó: uma parede vai cair e sair derrubando tudim. A gente tá com medo demais, não consegue mais nem dormir direito, preocupado. Todo mundo que tá aqui é porque precisa, por isso ocupamos. Mas é família demais e barraco de menos", lamenta. Segundo ela, "todo mundo é cadastrado no Minha Casa, Minha Vida, mas a Habitafor não se responsabiliza", já que o terreno é privado. "O prédio é dos alemão, mas nós não", enfatiza.

Precária

Apontando para os emaranhados de fios que convivem com as goteiras, bombas-relógios impossíveis de desativar, a moradora assume: "as gambiarras? a gente tem é medo de um curto(-circuito). Tem casa que tem uma bacia em cima da cama, a chuva bate, tá tudo quebrado, alaga tudo". Edini, "líder da Raio de Luz", contabiliza "140 famílias e cerca de 700 pessoas" habitando os quatro blocos do labirinto que é a ocupação, costurada por becos entre os barracos. Já o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) aponta 80 famílias, incluindo 57 crianças e adolescentes.

Duas delas são filhas de Rose da Silva, 40, que morava de aluguel, perdeu o emprego e já ocupa um teto forjado pela segunda vez, agora com as pequenas de 6 e 9 anos de idade. "Até hoje, tô lutando pelo Minha Casa, Minha Vida, por uma moradia digna. A nossa situação é precária, e eu tô sofrendo com isso", relata. A primeira ocupação em que viveu, no mesmo bairro, foi retirada pela Prefeitura para a construção de uma creche. Os moradores foram encaminhados para o conjunto habitacional Cidade Jardim. Ela, diz, não conseguiu vaga.

R$ 420
Instituído pela Lei Municipal 10.328, o Programa de Locação Social auxilia mensalmente “famílias atingidas por desastres, que ficarem sem condições para adquirir ou alugar uma moradia segura”. O intuito, diz a Defesa Civil, é “proteção e recuperação da dignidade humana”.

A desocupação da quadra e a "imediata concessão do benefício do Aluguel Social a todas as famílias ocupantes, por tempo indeterminado" foram propostas em Ação Civil Pública impetrada pelo MPCE no último dia 11, por meio da 11ª Promotoria de Justiça Cível especializada em Conflitos Fundiários e Defesa da Habitação. Conforme o órgão, a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional (Habitafor) se comprometeu, em audiência extrajudicial, a atender a demanda dos moradores, "mas limitou-se a declarar que não existem vagas disponíveis para o beneficiamento do Programa de Locação Social".

Providências

Em nota, a Habitafor informou que "a Defesa Civil notificou os proprietários do imóvel acerca das condições do prédio", e que, "apesar de ser uma área privada, a Prefeitura vem acompanhando as famílias com equipes da Coordenadoria de Políticas Comunitárias". Sobre a concessão de aluguel social, solicitada pelo Ministério Público, a Pasta afirma que já "utiliza toda a carga de investimento para essa finalidade".

Já a Defesa Civil declarou que "em novembro foi realizada uma reunião entre o MPCE, Habitafor, Secretaria das Cidades, Escritório de Direitos Humanos Frei Tito e ocupantes", ficando acordado que "a Prefeitura fará levantamento da quantidade de famílias que poderão ser incluídas no Programa de Locação Social". Outro encaminhamento, segundo o órgão, "foi o agendamento de audiência com o proprietário do imóvel que está ocupado, a ONG Childfund Brasil", entidade que já foi alertada sobre os riscos e instada a fazer reparos na estrutura.

De acordo com o MPCE, além da Defesa Civil, a Secretaria de Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS) visitou o local e constatou "a existência de outras vulnerabilidades sociais, tais como extrema pobreza e insegurança alimentar, constatando a falta de acesso das pessoas residentes do local a direitos básicos".

Em 2014, as famílias que ocupavam o antigo Centro de Desenvolvimento Infantil (CDI) foram removidas pela Prefeitura, articulada com o Governo do Estado, e encaminhadas para o residencial Cidade Jardim, no bairro José Walter. Com a desocupação do local, a gestão municipal construiu um Centro Educação Infantil (CEI), hoje utilizado pelas crianças da nova ocupação.

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