Chuvas amenizam calor, mas trazem problemas ao sono

Moradores da Praça do Ferreira têm de se organizar com o pouco que possuem para não ter o sono interrompido

Escrito por Cadu Freitas - Repórter ,

Nem todo o Ceará é sertanejo. Enquanto moradores dos interiores do Estado - e até mesmo da Capital - esperam ansiosos pela queda dos pingos da quadra chuvosa, tem gente que preferiria que ela sequer aparecesse. Pessoas em situação de rua que moram na Praça do Ferreira experimentam em seus corações essa sensação dúbia: de esperar pela chuva que amena o calor, mas impede que o sono venha com tranquilidade.

Antes de as primeiras gotas de uma das chuvas mais fortes de 2018 rolarem pela Coluna da Hora, grupos de religiões distintas chegam ao local a fim de oferecer vestimentas e alimentação para os ocupantes do local. Em fila indiana, os donos da Praça aguardam uma quentinha com baião e um copo d'água - refeição recebida de bom grado para matar a fome de quem vai enfrentar uma noite de fortes trovoadas e relâmpagos.

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"É muita água, não tem pra onde ir e não tem muito o que fazer, não", externa Cláudia sentada no seu colchão em frente a uma loja de alimentos. O espaço que conseguiu para ela e a família soa como troféu, a premiar os que mais cedo madrugam (ou entardecem). "Aqui é o seguinte: é de quem chegar primeiro. É desse jeito. Eu chego aqui antes das 7 da noite. Já pra garantir um lugar melhor".

Há um ano na Praça, Cláudia e mais dois homens compõem seu núcleo familiar. Os três, contudo, precisam dividir um colchão de solteiro e pedaços de papelão dispostos no chão para não acordarem com as costas doídas. A dificuldade aumenta com o período das chuvas, pois o que servia de cama, tem de formar um anteparo capaz de impedir que a chuva banhe todos e o pouco que possuem. "A gente bota os papelão assim pra não poder molhar a gente porque desce da goteira e molha tudo", explica, apontando para a forma vertical precisa do material.

Nesses momentos, quem tem algo para impedir a queda d'água torna-se rei; quem não tem, busca outras ruas com maiores marquises ou espaços nos quais o sono pode ser mais profundo. O Calçadão C. Rolim, as ruas Guilherme Rocha e Liberato Barroso viram novas moradas. "Na chuva aqui ninguém dorme porque a gente não tem local para dormir tranquilo. Ontem, vários irmãos não dormiram", relata Alexandre Rodrigues, um dos representantes da comunidade do Ferreira.

De acordo com Alexandre, o período chuvoso complica ainda mais a vida das pessoas que sentem o Centro da cidade como sua casa. "A situação é difícil, pois tem doença, coceira, várias coisas que estão se passando aqui. O problema é que entra e sai ano e o poder público engomando a gente", critica. A Secretaria dos Direitos Humanos e Defesa Social (SDHDS) da Prefeitura de Fortaleza informou que não há distinção de tratamento ou serviço ofertado de acordo com o período chuvoso.

População

Conforme estudo elaborado pela SDHDS, em 2017, 247 pessoas utilizavam a Praça do Ferreira como casa. Com relação à identidade de gênero, a pesquisa detalhou que 76% dos entrevistados eram homens e 23% mulheres. Equivocadamente, a pesquisa classifica o 1% restante como transexuais - uma vez que a categorização é vinculada à orientação sexual.

Da população de rua que vive na Praça do Ferreira, 51% se autodeclara negra, 46% tem ensino fundamental incompleto, 23% tem origem na Regional VI e 28% mora na Praça há mais de cinco anos. Alexandre Rodrigues, porém, refuta a quantidade de pessoas no local; segundo ele, 600 pessoas já estão no espaço em 2018.

"A gente quer um abrigo para 300 moradores e o resto uma casa digna, como o Minha Casa Minha Vida", externa o representante, ao pontuar que nem banheiro químico a população do local possui. Em nota, a SDHDS disse que a Prefeitura oferta espaços para essas pessoas, contudo, ainda há um déficit, pois, em toda a cidade a situação de rua se repete para 1.718, segundo dados da própria secretaria do ano de 2015 - um novo senso está sendo elaborado para este ano.

Além dos equipamentos, de acordo com a Secretaria, a Pasta "promove e difunde a igualdade de direitos para todos e fortalece, principalmente, os vínculos familiares para evitar o aumento da população de rua". Segundo o órgão, em 2017, Fortaleza possuía 80,25% dessa população cadastradas no Bolsa Família.

No entanto, para Alexandre Rodrigues, a situação é insustentável. "No Centro Pop são 20 pessoas que comem e ninguém come mais, aí vão todos pras pousadas. Então é o seguinte: se o estado não tomar providências nesse ano, não vai resolver mais. Vai dar aqui mais de dois mil moradores", supõe.

Saiba mais

Espaços de acolhimento

A Prefeitura de Fortaleza promove espaços pela cidade voltados à população em situação de rua:

Jacarecanga

Dois abrigos 24 horas, com 50 vagas para homens em cada um;

Parangaba

Um abrigo 24 horas, com 50 vagas para mulheres e famílias;

Centro

Uma casa de passagem de tempo curto; uma pousada social; um Centro Pop; e um Centro de Convivência para Pessoa em Situação de Rua.

Benfica

Um Centro Pop

Fonte: SDHDS

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