Chuvas alteram dinâmica de lagoas situadas em Fortaleza

Apesar dos fatores ecológicos contrários, a quadra chuvosa motiva pescadores a tentar a sorte em lagoas

Escrito por Nícolas Paulino - Repórter ,
Legenda: Ontem, pelo menos seis pescadores, cinco dos quais utilizando tarrafas, e muitas garças se encontravam de manhã na Lagoa do Mondubim, num cenário diferente do visto há alguns meses
Foto: Foto: Natinho Rodrigues

As águas que enchem açudes e reservatórios e costumam causar transtornos na infraestrutura e no trânsito também alteram a vida em lagoas de Fortaleza, cidade que já acumula 836,9mm de chuvas em 2018, segundo a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). Vida em geral: de humanos, animais e vegetais, pois o ambiente hídrico, ao receber diversos resíduos arrastados pelas correntes formadas pelas precipitações, pode gerar condições ideais para a reprodução acelerada de peixes e plantas aquáticas.

Nesse tempo, pescadores também optam por se aventurar dentro das águas das lagoas. Na do Opaia, no bairro Vila União, o pescador Antônio Moura, 32, partiu da crença de que a chuva realmente gera um aumento na população de peixes. De acordo com ele, as chuvas agitam os peixes, que, em maior quantidade, costumam se aglomerar e ficar mais vulneráveis para a captura.

"Já peguei um monte hoje. Está tudo guardado num saco ali", disse Moura, que pescava sozinho, ontem, apontando para as margens da lagoa. Até encher o recipiente, o trabalho dele era moroso, de paciência: com a água batendo no peito, o pescador desentrelaçava os fios da rede, encolhia os braços e, de sopetão, arremessava-os sobre as ondas. Nem sempre o retorno era exitoso: apenas gravetos se agarravam ao equipamento.

Já na lagoa da Parangaba, uma das mais conhecidas da Capital, o único grupo frequentador era um de garças; os pássaros se revezavam em voos rasantes no espelho d'água em busca de garantir o lanche. Apesar de ter muitos peixes, conforme pescadores da área, a grande quantidade de aguapés em proliferação atrapalha os empreendimentos dentro do reservatório.

Noutra lagoa da cidade, a do Mondubim, contudo, nem a presença massiva das plantas comprometeu o dia de, pelo menos, seis pescadores: cinco de tarrafas em punho e um manejando uma vara de bambu. Edney Sousa, 50, por exemplo, se gabava de ter capturado 40kg de pescado só nesta semana. O prêmio, contudo, foi compartilhado a muitas mãos, da família, de amigos e de vizinhos.

"Aqui, cará produz demais. Tem tanto que nem cresce direito", comentou, apontando para um balde em que, ainda vivos, se debatiam peixes do tamanho de uma mão. "Mas é essa lagoa que sustenta um monte de gente que tá sem emprego por aqui. Dois desses carás já servem como mistura pra ajudar no baião de dois", resume Edney.

Fartura tanta que, enquanto ele arrumava uma fogueira improvisada para assar as capturas, outros homens saíam da água com peixes se debatendo dentro dos bolsos dos calções. A alguns metros do grupo, uma restroescavadeira parada anunciava a pausa nas limpezas do reservatório, cujas margens ainda acumulavam aguapés murchos, recém-arrancados.

Contudo, de acordo com Jeovah Meireles, professor de conservação dos sistemas ambientais e geomorfologia na Universidade Federal do Ceará (UFC), as chuvas são apenas momentos de entrada de água pluvial um pouco mais diluída, uma vez que esta também arrasta consigo o conteúdo de esgotos a céu aberto. "Esses períodos de máxima precipitação potencializam a inundação da lagoa por sedimentos das ruas e restos de obras. Isso também causa a perda de componentes paisagísticos, ecológicos e de fauna e flora. Não é correto afirmar que uma chuva ou um período chuvoso aumente a quantidade de peixes, uma vez que o elemento que fundamenta a vida, ou seja, a qualidade da água, não foi melhorada", explica Jeovah.

A movimentação dos animais na água, porém, pode ser justificada. "Pelo menos momentaneamente, a água fica mais oxigenada, existe uma maior diluição dos afluentes do lago, e isso pode causar mudanças no comportamento dos peixes. Mas essa água vai evaporar", afirma.

Limpeza

O Comitê de Ações Preparatórias para Quadra Invernosa da Prefeitura monitora 140 recursos hídricos da Capital, dentre canais, lagoas e riachos. De janeiro a18 de abril, segundo o órgão, foram limpos 78 recursos hídricos. Além disso, 2.321 bocas de lobo foram desobstruídas.

Nesta semana, as equipes de limpeza estão trabalhando em seis locais: no Canal do Moçambique, no bairro Parque Genibaú; no Canal da Rua Oliveira Sobrinho, na Granja Portugal; no Canal do Bom Jardim; no Riacho do Parque Dois Irmãos; no Canal da Rua Shirley, no Passaré, e no sangradouro da Lagoa do Opaia.

Segundo a Prefeitura, a população pode solicitar a limpeza dos recursos hídricos através das ouvidorias das Regionais. "O lixo domiciliar deve ser acondicionado de forma correta e só colocado na calçada nos dias de coleta. Para restos de construção, podas de árvore, móveis velhos e eletrodomésticos não mais utilizados, o descarte poderá ser feito em um dos 41 Ecopontos espalhados pela cidade. Todo lixo colocado na rua de forma irregular poderá poluir e/ou causar obstrução dos nossos recursos".

 

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