Chacina de Messejana: após três anos, famílias das vítimas lutam por julgamento de PMs envolvidos

No terceiro novembro desde 2015, quando 11 vidas foram ceifadas na periferia de Fortaleza, parentes dos mortos transformam dor em força para resguardar memória das vítimas

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@diariodonordeste.com.br

De onde vem a força? "Dele". A resposta soa da voz de Edna Carla Sousa, 47 anos, tão rápida e potente quanto o tiro que matou o filho Alef aos 17, na madrugada de 12 de novembro de 2015. Às vezes nem parece, mas já se passaram três anos desde a Chacina da Grande Messejana (ou Chacina do Curió), episódio que ceifou as vidas de 11 homens, dos quais sete não haviam sequer atingido a maioridade. O crime seguem no limbo da Justiça, sem que nenhum acusado tenha sido julgado.

Enquanto, de um lado impera a impunidade; do outro, predomina a dor coletiva travestida de luta - da qual dona Edna, uma das "Mães do Curió", se tornou símbolo. "Meu filho era alegre, queria me ver bem. 'Mãe, nunca vou deixar a mãe só', ele dizia sempre. Quando surgiram grupos e mais grupos pra me ajudar, em cada pessoa eu via um pedacinho dele. Por ele, eu não posso me calar, tenho que ser forte. De onde ele estiver, sei que está feliz".

Legenda: Edna Carla de Sousa perdeu o filho Alef e uma parte de sua existência
Foto: Foto: Helene Santos

Até três meses depois da morte de Alef, "a ausência, a saudade e a tristeza" calavam a mãe. Hoje, porém, os sentimentos ecoam na voz que se impõe alta, firme - brados que, tantas vezes, servem mesmo é de armadura. "Eu não sabia o que era ser militante, mas depois que mataram meu filho, tive que ir pra rua. Foi uma maneira de escapar, fugir, me esconder da dor. Porque eu não enterrei só um filho, mas toda a confiança que eu tinha na Polícia, todos os sonhos dele e os meus", desabafa a mãe Edna, que planejava junto com um sonhador Alef a entrada do rapaz no Exército Brasileiro.

Se para ela as lembranças do filho perdido são combustível para a luta - e a própria luta é consolo -, para outras mães, mesmo três anos depois da matança, é como se o estampido dos tiros ensurdecesse, o cheiro de sangue sufocasse, a saudade imobilizasse. É impossível falar. "Não consigo dar entrevista, minha filha, desculpe. Quando chega novembro, eu só consigo mesmo chorar", disse uma delas diante do nosso contato.

Museu

Atualmente, Edna Carla participa de grupos de apoio aos familiares - a maioria mães, irmãs e companheiras - dos 11 assassinados, mantém página de publicações ativa nas redes sociais, viaja a outros estados do País e até grava vídeos para instituições do exterior, sempre falando sobre a importância de combater os homicídios de adolescentes e jovens cearenses e também "para conseguir justiça e manter viva essa história".

As existências de Alef, Alisson, Jardel, Marcelo Mendes, Marcelo da Silva, Renayson (todos de 17 anos), Patrício, 16; Jandson, 19; Francisco Enildo, 41; Valmir, 37; e Pedro, 18, aliás, permanecerão vivas, percorrendo vários bairros de Fortaleza no Museu da Pessoa, uma mostra itinerante organizada pelas famílias.

"É uma exposição que nós vamos fazer com áudios de depoimentos, fotos, os filmes 'Nossos mortos têm voz' e 'ONZE', e também manequins com roupas dos nossos filhos", descreve Edna, uma das integrantes da comissão organizadora do museu.

A exposição ainda não tem data nem detalhes logísticos definidos, mas, segundo ela, deve começar no Cineteatro São Luiz e migrar periodicamente para os Cucas da Capital. A iniciativa conta com apoio do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) e do Fórum Popular de Segurança Pública, instituições que prestam assistência aos que tiveram entes queridos mortos na chacina. Além delas, advogados, o Conselho Regional de Serviço Social (Cress) e a Defensoria Pública do Estado integram uma rede de apoio social e jurídico que atende às famílias.

Processo

arteEm junho de 2016, sete meses após a chacina, 45 PMs foram denunciados pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) por homicídios duplamente qualificados consumados (onze) e tentados (três), torturas físicas (três) e psicológica (uma). O Judiciário aceitou a denúncia de 44 deles, excluindo o tenente coronel Plauto Roberto de Lima. O MPCE recorreu para mantê-lo entre os acusados, ação negada pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE). Um agravo ao recurso para reinserir o policial entre os réus aguarda julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Dos 44 acusados, 34 foram designados pela Justiça para irem a júri popular. Como todos recorreram da decisão, os processos estão parados, e não há previsão alguma para os julgamentos acontecerem. Os dez restantes foram impronunciados, ou seja, os juízes não consideraram as evidências de participação suficientes para levá-los a júri. O MPCE também entrou com recurso para reverter a decisão.

Independentemente da morosidade para punir ou absolver possíveis culpados de um episódio atroz - que manchou de sangue a juventude e a história do Ceará -, estão as vidas de tantas famílias, modificadas para sempre. Por meio da voz de Edna, elas sustentam um pedido uníssono. "Eu financiei a bala que matou meu filho. Os carros, os celulares pra eles (policiais) se comunicarem... Naquele mês, nós pagamos os salários deles. Eu quero a condenação e a exoneração de todos".

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