Ceará tem cerca de 180 mil doadores de medula óssea cadastrados

De acordo com um especialista do Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce) e do Hospital Universitário Walter Cantídio, o número faz com que o Estado seja o 5º do Brasil com mais doadores registrados

Escrito por Barbara Câmara , barbara.camara@diariodonordeste.com.br

Os aniversários celebrados na família da nutricionista Juliana Roma guardam um significado especial. Não apenas por serem abundantes - dela, do marido e de três crianças -, mas por sua filha caçula, Lia, comemorar em duas datas distintas: em 13 de setembro, seu nascimento, e em 11 de junho, o seu 'renascimento'. O segundo dia marca o momento em que exames apontaram que seu transplante de medula óssea surtiu efeito.

No Ceará, a esperança para pacientes com determinados tipos de doenças sanguíneas, como a pequena Lia, é reafirmada em números: cerca de 180 mil pessoas no Estado estão cadastradas como doadoras de medula óssea, de acordo com coordenador do centro de Processamento Medular do Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará (Hemoce), Fernando Barroso.

O procedimento é um tratamento a partir da transfusão de células-tronco indicado para doenças graves que atingem as células do sangue, e o Estado é o 5º do Brasil com maior cadastro de doadores.

A trajetória que levou Lia à fila de espera por uma doação começou quando ela tinha apenas 7 meses. Uma convulsão preocupou a família, que buscou orientação de neurologistas. "Eles diziam que, neurologicamente, ela estava bem, mas sempre sinalizava uma anemia, e um deles indicou procurar um hematologista. A gente começou a procurar, já com vários exames, e essa anemia sempre se mostrando pior", narra Juliana.

Com o auxílio de um hematologista, os exames de Lia foram enviados para avaliação em Campinas, São Paulo. Lá, a menina foi diagnosticada com talassemia major. "É uma anemia hereditária. A do meu marido não era tão grave. Isso foi detectado em mim e nos meus outros filhos, também, mas a Lia veio com uma forma mais agressiva da doença. Ali no consultório, o mundo caiu".

Compatível

De volta a Fortaleza, Lia recebia transfusões de sangue a cada 28 dias. "Ela era furada de 4 a 5 vezes. Para uma bebê de 11 meses, na época, era horrível. Ela gritava, chorava", lembra a mãe. A situação se agravou quando, em busca de doadores, exames apontaram que nenhum de seus irmãos era compatível para doação de medula óssea.

Em São Paulo, ela foi cadastrada no Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome), onde começou a espera por um doador compatível. Não levou muito tempo, e logo os exames para aferir a compatibilidade total foram iniciados. O transplante foi realizado no dia 14 de maio de 2018. "Nós vimos a nossa filhinha nascer de novo", relata.

Do lado de quem doa, também há sentimento de sobra. O farmacêutico André Teixeira, 35, é doador de sangue desde 1998, mas só veio a doar medula óssea em 2013. "Eu me cadastrei no Redome em 2011, e saí de lá com a seguinte mensagem: poxa, a probabilidade de um para cem mil, para encontrar alguém compatível, é muito difícil".

Ao receber a ligação do Registro informando sua compatibilidade com um paciente, André passou por uma série de exames para confirmar a compatibilidade. "Existem dois jeitos para doar, por punção do osso da bacia, que é um procedimento cirúrgico simples em que você doa pela manhã e no dia seguinte tem alta, e por aférese. Eu doei por aférese, que você tem que tomar umas injeções para estimular sua medula óssea a produzir células-tronco de maneira exagerada", diz.

Tratamento

Após cinco dias recebendo aplicações, a doação foi agendada. Pela aférese, uma agulhada é inserida em cada braço do doador. O material colhido é centrifugado, e somente a medula é guardada. O sangue, então, retorna ao corpo.

Para doenças como leucemia e falência da medula óssea, o transplante é o único tratamento curativo, segundo Fernando Barroso, também chefe do serviço de hematologia e transplante de medula óssea do Hospital Universitário Walter Cantídio.

"Quando você vai doar a medula, a gente faz o seu registro genético, que é o antígeno registro de compatibilidade (HLA, na sigla em inglês) e baseado nisso, você é cadastrado", explica. Barroso destaca que, através do Redome, o Ceará integra uma rede mundial que recebe e envia medulas doadas de outros países, desde 2012. Até hoje, cerca de 30 medulas ósseas foram enviadas, e aproximadamente 15 foram recebidas. "Recentemente, nós recebemos uma medula de Los Angeles, que foi transplantada em um cearense, e já mandamos para a Europa e para os Estados Unidos".

Um protocolo de sigilo impede que doador e transplantado sejam apresentados antes que o procedimento complete dois anos. Para expressar sua gratidão, a família de Lia enviou uma carta ao doador. "Hoje ela está curada, com algumas restrições. Está com três aninhos. Queremos conhecer a pessoa. Curar alguém através do seu sangue é engrandecedor", afirma Juliana Roma.

André teve a oportunidade de encontrar o paciente que recebeu sua doação em 2015. "Foi emocionante conhecê-lo, saber que ele tem meu DNA. E mais importante: 'tá' curado".

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