Autismo na vida adulta: desafios e expectativas

Questionamentos simples nas vidas de jovens adultos são grandes preocupações para os pais de autistas

Escrito por Redação ,

Durante quase duas horas, o som que vinha da televisão era repetitivo. Gabriel Greggio, aos 18 anos, assistia a uma animação infantil e, com o controle remoto - que mais parece uma extensão da sua mão -, observava uma determinada cena, voltando para reassisti-la dezenas de vezes. Os olhos grudados na televisão, nas cores, expressões, e sons, logo demonstram a sua personalidade diferenciada. Olhando a ação do filme, Gabriel parecia apreciar o que ninguém vê. Autista de nível leve e epiléptico desde os 3 anos, o menino só é adulto no tamanho e na idade. Os pais ainda precisam dar banho, vesti-lo, limpá-lo dentre outras atividades.

Quem olha para o lindo jovem loiro, de braços e pernas fortes, não imagina que ele ainda pede à mãe para assistir aos programas infantis da apresentadora Xuxa. Para os genitores, o desejo de futuro já passou do sonho de que o garoto consiga trabalhar ou formar uma família. O pedido é que, enquanto pais, eles nunca faltem. "Meu medo é a gente faltar no dia de amanhã. Como ele vai se virar?", questiona a mãe, Mikaelly Greggio, apreensiva.

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A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que existam mais de 70 milhões de pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) no mundo, afetando uma a cada 68 crianças. No Brasil, embora não haja estudo sobre a incidência do transtorno, pesquisas internacionais apontam para cerca de 2 milhões de autistas diagnosticados e pelo menos mais 1 milhão sem diagnóstico fechado.

Mercado de trabalho

Quando o assunto é a vida adulta de Gabriel, incluindo mercado de trabalho, os pais riem e dizem "Gabriel veio para cá em férias". Nas tentativas de incluir o jovem em pequenas atividades da empresa que o casal tem, como tirar a cópia de um documento, Gabriel demonstrou pouco interesse, raiva e má vontade. "O Gabriel tem preguiça de aprender e o autismo exacerba isso nele. Tudo dele é feito meio sem vontade", argumenta Alex Greggio, empresário e pai do menino.

Segundo a presidente da Associação Fortaleza Azul (FAZ), Fernanda Cavalieri, o grau e a gravidade das pessoas com TEA variam muito, sendo os sintomas mais comuns a dificuldade de comunicação e interação social.

"Uma das dificuldades para eles é a falta de oferta de cursos profissionalizantes direcionados para quem tem o transtorno. Outra barreira que se enfrenta é o preconceito: muitas das vagas para deficiência não exigem qualificação. Temos pessoas autistas que chegam a universidade e desempenham funções de peso", argumenta.

O TEA não pode ser curado, mas muitos dos seus sintomas podem ser minimizados e controlados com a intervenção de profissionais. Segundo o dr. André Luiz Pessoa, neurologista infantil com atuação em neurogenética, no nível leve, os autistas têm mais chances de serem independentes. "Em um autismo grave, que geralmente é de deficiência intelectual, a dependência de terceiros para as atividades com certeza vai ter um impacto muito maior", explica o médico.

Sexualidade

Questionamentos simples nas vidas de jovens adultos são grandes preocupações para os pais de Gabriel. Temas como a sexualidade são reprimidos ao máximo. Nos filmes, as cenas consideradas "picantes", são cortadas. Segundo a mãe, Gabriel se toca, mas sem ligar o ato à sexualidade.

"A gente fica com medo. Acho que no dia que isso aflorar, nós vamos fazer castração química. Conheço relatos de autistas que ficam o dia inteiro se masturbando e eu não quero que meu filho passe por isso", explica Mikaelly Greggio.

A família do Vitor Sales, de 33 anos, carinhosamente chamado de Vitinho, também já viveu essa preocupação e ainda vive tantas outras. O homem, de pura inocência, tem retardo mental, mas com um diagnóstico nunca fechado. Jordana Sales, advogada e irmã de Vitinho, relata que sua evolução em todos os aspectos é facilmente notável. Hoje, o menino-homem se veste sozinho e cozinha, atividades não executadas quando mais novo.

Contudo, as expectativas de trabalho ainda são impensáveis para a família, já que Vitinho não tem a fala articulada. O que a família faz é incluí-lo em seus negócios para que o rapaz desempenhe pequenas atividades. "Não pensamos em trabalho porque a condição dele não permite. Ele não fala, não sabe ler e calcular bem. Hoje pensamos no desenvolvimento de outras formas para que ele busque autonomia e saiba se virar, no básico, sozinho", argumenta Jordana. (Colaborou Ana Cajado)

A casa mágica criada por um pai

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O TEA é um transtorno difícil, de grande impacto na vida familiar, com grandes desafios físicos e emocionais para os pais. Para lidar com tudo isso, Alex transformou o lar em um local de diversão e arte. Entrar na casa da família Greggio é encantar-se, de cara, na entrada. Olhando para o lado, vê-se um grande globo terrestre azul, feito porque "o Gabriel estava querendo aprender sobre os países e eu aproveitei esse momento", conta o pai apaixonado pelo filho. Desde que o menino foi diagnosticado autista, aos sete anos, nenhuma vontade de conhecimento que tivesse passou despercebida.

Do outro lado do pequeno estúdio, os fantoches, esculturas coloridas e fantasias - tudo feito por Alex - se destacam. O pai sempre teve a arte como hobby, mas ao descobrir que o filho se expressa melhor através do teatro, Alex transformou-se em um verdadeiro artista para conquistar a confiança do filho e desenvolver suas competências. "Nada ele gosta. O negócio dele é ficar em casa, mas quando é para fazer seus filmes, ele solta uma fogueira", explana o pai, sorrindo. O que era uma brincadeira, se tornou uma atividade de desenvolvimento para o menino.

"Eu fiz um vídeo com ele uma vez, aos 11 anos, e ele gostou de se ver no vídeo, decora todas as falas dos filmes que ele assiste. Até então ele não interagia, e, desde então, começou a interagir", conta Alex.

Apesar de Gabriel ser inconstante, o pai leva a situação toda na risada. "Às vezes, ele quer uma coisa e, em cinco minutos, não quer fazer mais. Tem que ser tudo bem rápido, senão ele desiste!", relata aos risos. Segundo o pai, durante a gravação dos vídeos e pinturas, Gabriel fica concentrado e obediente durante horas, o que geralmente não acontece em outras atividades.

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