Atividade se profissionaliza com cursos especializados

Escrito por Redação ,
Legenda: Profissão cuidador: há 20 anos, Erondina Epifânio se dedica, com afeto, a cuidar de vovôs e vovós em casas de família e, agora, em um abrigo público
Foto: Gustavo Pellizzon

Nos anos 80, a banda Legião Urbana cantava que o “Brasil é o País do futuro”, portanto um país para jovens. Mas, com o aumento da expectativa de vida da população e a diminuição da taxa de fertilidade, o Brasil envelheceu e se tornou um país de gerações passadas. De acordo com o Censo 2000 do IBGE, 15 milhões de brasileiros têm mais de 60 anos. Esse público, que já deu sua contribuição para a história, merece mais do que respeito.

O aumento da população de idosos implica não só na perda de mão-de-obra ativa, mas em uma adaptação do País a seus habitantes. Adequações na infra-estrutura urbana e o próprio Estatuto do Idoso são algumas mudanças já observadas para dar maior conforto, comodidade e cidadania ao público da terceira ou melhor idade. Paralelo a isso, o mercado de trabalho também busca se adequar a esse cenário.

As mudanças já podem ser percebidas na teoria e na prática. A Gerontologia deixou de ser um campo desconhecido, tornando-se uma especialização multiprofissional. Enquanto, parentes e domésticas vão às salas de aula para saber cuidar melhor de seus idosos. Em Fortaleza, cuidadores de pessoas com mais de 65 anos costumam ser profissionais da área da enfermagem, técnicos que se dedicam a acompanhar vovós e vovôs acometidos por doenças da idade avançada.

Os serviços destes profissionais estão disponíveis em agências de empregos e custam entre um e três salários mínimos, a depender da jornada de trabalho. No entanto, uma outra categoria de cuidadores está surgindo aos poucos no mercado. São os informais, pessoas que começaram a cuidar de idosos meio que por acaso. Há 20 anos, Maria Erondina Epifânio, de 57 anos, dedica-se a cuidar de pessoas idosas.

Tudo começou com empregos em casas de particulares. A especialização veio com a experiência. Hoje, ela trabalha na Unidade Abrigo da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Estado e confessa nunca ter pensado em mudar de profissão. “Depois que meus pais morreram, meu carinho por eles aumentou ainda mais”, confessa a cuidadora. Diferente de Erondina, que desenvolveu sua técnica com a experiência, há cursos hoje que preparam cuidadores informais.

“O curso é pensado para atingir até analfabetos. Contamos com uma comunicação visual e demonstrações”, observa Aletéia Lopes, presidente da Cooperativa de Gerontologia do Estado do Ceará, que inovou com o investimento na formação de pessoas capacitadas.

No currículo dos cursos, são apresentadas noções das doenças mais comuns na terceira idade (alzheimer, doenças circulatórias, doenças cardíacas, acidente vascular cerebral - AVC), orientações sobre vestuário, postura e alimentação adequados, além de cuidados para a administração de conflitos familiares e da preparação para os cuidadores que lidam com idosos em fase terminal.

Apesar da ampla formação, o curso ainda não é muito procurado. Para a presidente da Cogeron, a desinformação dos patrões é um dos motivos, assim como a falta de condições financeiras por parte das domésticas para custear quatro parcelas de R$ 58,00. A próxima turma do curso deverá iniciar as aulas em março, mas as inscrições ainda estão sendo realizadas. O curso é uma parceria com uma universidade privada de Fortaleza.

Por outro lado, há idosos que se interessam em saber mais sobre o envelhecimento. São funcionários públicos aposentados ou profissionais liberais que buscam especialização na área de Gerontologia. Segundo a coordenadora do Curso de Especialização em Gerontologia do Centro de Treinamento e Desenvolvimento (Cetrede), Maira di Ciero Miranda, o encontro de gerações foi comum nas cinco turmas já formadas pelo curso.

Os profissionais recém-formados, em busca de qualificação para o currículo, encontram os mais velhos, que estão saindo do mercado, mas não querem perder a atualidade. Mirian Miranda ressalta que o curso não forma novos profissionais, mas oferece suporte para que eles lidem com o público idoso. Eles acrescentam conhecimentos da área de bioética, nutrição, saúde, direitos, enfim, tudo que estiver relacionado ao envelhecimento da sociedade. “É um curso que prepara para a vida prática”.

FIQUE POR DENTRO - Vigilância sanitária fiscaliza casas de idosos

As instituições que acolhem idosos por um período de longa permanência devem atender a uma série de critérios regulados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Entre esses critérios estão: acessibilidade das estruturas físicas, limpeza, dormitórios separados por sexo para no máximo quatro pessoas, dentre outras normas. A Vigilância Sanitária do Município é a responsável pela fiscalização dessas instituições. No fim do ano passado, foi realizada a segunda inspeção anual dos sete estabelecimentos que servem de lar para os idosos em Fortaleza. São instituições mantidas pelo poder público ou que fazem parte de uma rede conveniada e recebem pessoas idosas que perderam o vínculo com a família ou que eram moradores de rua. De forma geral, segundo a gerente da Célula de Vigilância Sanitária e Ambiental do Município, Francisca Miranda Lustosa, as instituições apresentam um perfil satisfatório, adequando-se ao que é recomendado pela Anvisa. Apenas uma instituição estava em condições insatisfatórias. Segundo Miranda Lustosa, a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social do Estado foi informada sobre o assunto, o estabelecimento notificado e os idosos serão removidos para outras instituições, caso o local não se adeque às exigências legais no prazo estabelecido.



A OPINIÃO DO ESPECIALISTA - Cuidado e autonomia

Aletéia Lopes
Assistente social e presidente da Cooperativa de Gerontologia do Ceará
aleteia@oriontelecom.com.br

Reconhece-se que o século XXI está passando por rápidas transformações demográficas, apresentando para a sociedade uma verdadeira revolução da longevidade, onde o novo idoso, um cidadão de direito, começa a ocupar um lugar de destaque, exigindo a ampliação de políticas e sistemas adequados de apoio a esse contingente populacional. Surge nesse cenário, um novo sujeito, o cuidador informal de idosos, mas quem é ele? São pessoas que acompanham de perto o idoso dando suporte para que o mesmo possa desfrutar de uma existência mais saudável, segura e ativa.

Geralmente são domésticas que acompanharam o envelhecimento de seus patrões, ou familiares que residem na mesma casa, ambos sem formação específica e que passam a ser os responsáveis pelo desenvolvimento das demandas de cuidados do idoso. Pessoas importantes nesse cenário de envelhecimento, mas que precisam de capacitação, esclarecimentos, orientações e conhecimentos específicos sobre a velhice e o processo de cuidar.

Apesar da ampla divulgação de informações, muitas pessoas ainda resistem à aquisição de conhecimentos sobre os cuidados com idosos. Muitos familiares acham que sabem cuidar de seus pais, mães, avôs e avós ou pensam que a atenção que dão a eles é a adequada. Outro comportamento comum dos familiares é a negação de autonomia da pessoa idosa. Com o passar dos anos, os próprios filhos tiram a autonomia dos pais alegando a fragilidade deles, o que acaba provocando uma segregação do idoso no lar.

O desafio atualmente é fazer a sociedade entender que as pessoas com mais de 65 anos de idade têm direito à autonomia e que elas ainda têm vigor e capacidade para desempenhar uma série de tarefas. Para pessoas idosas ativas, o papel do cuidador se reveste mais em orientação do que em tutela. Deve-se respeitar os gostos dos idosos, deixando com que eles executem tarefas que estão habituados a praticar, mas sempre impondo limites.

Pesquisas mostram que a pessoa aposentada que não pratica nenhum tipo de atividade prazerosa e, de certa forma, produtiva, acaba entrando em um estado de depressão em um prazo de sete anos. Para os homens, a saída do mercado de trabalho é mais cruel. Criados em um regime diferente, em que os homens eram provedores e as mulheres responsáveis pelo lar, ao chegarem em casa, estes aposentados se vêem às voltas com o ócio e até mesmo a solidão. No caso das mulheres, como a expectativa de vida é maior, a depressão costuma chegar depois de oito anos de aposentadoria.

Essa situação alerta para a necessidade de se investir também em cursos preparatórios para a aposentadoria, como prevenção à depressão na velhice.

RESPONSABILIDADE - Poder público oferece cuidados e moradia

Quando a família não assume a responsabilidade pelos cuidados de seu idoso, nega a ele seus direitos ou pratica atos de violência, é hora do Estado entrar em cena. Somente em Fortaleza, aproximadamente 10 mil idosos são atendidos pela rede de proteção montada pela Prefeitura.

Para os programas governamentais, os vovôs e as vovós são vistos como sujeitos sociais. “Compete ao poder público a garantia dessa proteção. Há uma cobrança muito grande pela efetividade dessas ações por parte da sociedade”, observa André Menezes, coordenador de gestão do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS).

Como mais uma ferramenta de proteção, foi inaugurado há um mês o Núcleo de Atendimento à Pessoa Idosa vítima de Violência. O espaço funciona no Centro de Referência ao Idoso, no Bairro Serrinha. Apesar de récem-inaugurado o Núcleo já conta com uma demanda de 200 casos de denúncias de violência, negligência e maus-tratos contra idosos que foram repassadas pela Secretaria Estadual. “O idoso também tem que ser um sujeito denunciador”, frisa André Menezes.

Se a violência for constatada, o idoso é encaminhado para um abrigo. A Prefeitura mantém convênio com o Lar Torres de Melo e com a Unidade Abrigo da STDS. No abrigo, vivem 105 idosos que perderam os laços com a família, moravam nas ruas ou sofreram algum tipo de violência. Foi por se enquadrar no quesito abandono que o comerciante aposentado Fernando Guirado, de 72 anos, foi morar no abrigo.

“Aqui é como se fosse uma casa, mas não é o que eu quero. Queria mesmo era estar com meus filhos e amigos de infância”, revela o aposentado. Para a diretora do Abrigo, Maria Iolanda de Castro e Silva Nottingham, a sociedade ainda não está atenta para o envelhecimento da população. “Chega um momento em que a história se inverte. Você era cuidado e, no fim, você cuida”, avaliou.

Os abrigados, que se encontram em situação de fragilidade, apresentam mais demandas na área da saúde e psicológica e, portanto, precisam de cuidados mais sério. Já homens e mulheres que se aposentaram, perderam um dos companheiros ou querem apenas se sentir vivos, as atividades dos grupos de idosos espalhados pela cidade são suficientes para curar uma depressão, doença comum na idade avançada também.

“Eu vivia numa rede 24 horas e só chorava”, lembra a auxiliar de costureira aposentada Maria Rosália da Silva, de 74 anos. Ela e outros 200 idosos cadastrados no Centro de Referência ao Idoso, da Serrinha, reencontram um sentido para a vida. “Eu vim para cá porque necessitava conversar e encontrei muitos amigos”, continua dona Rosália. Lá, eles exercitam a sociabilidade, a memória, os músculos e a afetividade. Já saiu casamento e muita gente remoçada.

ENQUETE - Renovação com atividades e convívio com amigos

  • Depois da minha aposentadoria entrei em depressão, achei que minha missão tinha terminado e fiquei agressiva´, Miraci de Araújo, Aposenta
  • Depois de um período de depressão, com a convivência dos amigos do grupo de idosos, aprendi a ser brincalhão´. Evandro Lopes da Silva, Aposentado

NAIANA RODRIGUES
Repórter

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