Ação e fé de religiosas mudam a realidade

Não há tempo para se abater. A força feminina na Igreja supera obstáculos em prol de transformar vidas

Escrito por Leda Gonçalves e Thatiany Nascimento - Repórteres ,
Legenda: Irmã Eugênia atua com moradores de rua no Centro
Foto: Foto: Reinaldo Jorge

Não importa qual o ambiente, a escolha ou mesmo a vocação, ser mulher é deparar-se continuamente com desconfianças e afrontas somente pelo fato de pertencer ao gênero. Para seguir firme é necessário ser maior. Na vida religiosa, a força feminina também supera esses obstáculos e catalisa fé e ações em prol de experiências muito mais significativas e imprescindíveis para a coletividade. Já não há tempo para se abater. Espiritualidade atrelada à inquietações e afetos que transformam vidas. Em Fortaleza, a Igreja, em seu gênero feminino, ainda que careça de avanços e superação de dificuldades, tem experiências corajosas que têm se mostrado vigorosas na batalha pelo acesso à direitos e garantia de dignidade a vidas mais vulneráveis.

A escolha feita há 15 anos pela irmã Eugênia Maciel, 46 anos, na época, não foi compreendida de forma unânime. Isto, não a desmotivou. O ingresso na Congregação Religiosa Missionários do Coração Eucarístico - constituída no Brasil quando perdurava a Ditadura Militar - a realizou e aproximou de uma condição que a sensibilizava. "Desde os meus 15 anos, sempre me chamou atenção a questão do ser humano morar na rua. Se somos todos irmãos, eu me perguntava porque uns tem direitos e outros não?", reflete.

Na Congregação, sediada em Fortaleza no bairro Henrique Jorge, as experiências de fé vão ganhando materialidade. Na rotina iniciada às 6h, há momentos para orações individuais e coletivas, execução de tarefas domésticas e a prática de missões nas ruas, especialmente na periferia. Cada religiosa trabalha para manter a comunidade. Formada em Biologia, irmã Eugênia conta que embora nesse período esteja afastada, ela também exerce o magistério para auxiliar no custeio da casa.

Missão

A sua resposta ao chamado à missão, explica ela, se concretiza, de certa maneira, em um imóvel situado na Rua Coronel Ferraz, no Centro da Capital. Lá a religiosa encontra protagonistas de histórias semelhantes às que a inquietavam ainda na juventude. Todas às segundas-feiras, a irmã Eugênia, integrante da Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de Fortaleza, é uma das mulheres que acolhe pessoas em situação de rua e com elas realiza rodas de conversa e formações que, dentre outras coisas, tratam sobre cidadania, acesso e garantia de direitos. O local é aberto todas as segundas, quartas e sextas. Os moradores de rua chegam por volta das 14h. Entram, tomam banho e reúnem-se para a atividade do dia. Um grupo constituído por cerca de 15 homens é o mais assíduo.

"O trabalho é para tentar ajudar na questão da autoestima, de como eles podem se colocar como cidadãos na vida diante da realidade que eles passam", afirma. A motivação para o trabalho, segundo a religiosa, é explicada pela própria vocação. O caminho é "um chamado". Nesse trajeto é que ela se percebe. Se identifica. Se afirma. Encontra e reforça a fé.

"A Casa é um espaço acolhedor. Onde eles podem expressar aquilo que sentem. Acredito que temos que ser esse elo para que a esperança não morra. Quando eles estiverem fracos, desanimados podemos ajudar a não perderem a esperança", garante.

Desafios

A trajetória é pesada e nela é preciso amadurecer, reflete a religiosa. Evoluir espiritualmente para que as motivações caridosas sejam sempre maiores que as limitações individuais. Mudar de cidade ainda é uma fragilidade. A cada três anos, conforme estabelecido na Congregação, as irmãs partem para missões em outros estados. Ela já passou pelo Piauí e o Maranhão. "A vida de missionário é uma hora aqui e outra em outro canto".

Ser mulher, religiosa, engajada em pastorais sociais ao lado de pessoas extremamente marginalizadas também é estrada árdua. Desafio e reafirmação recorrente de fé. A fé em ação. Apesar de todos os limites, irmã Eugênia não recua e reforça que são muitos "os avanços das mulheres na sociedade moderna".

Nos encontros com os moradores de rua, conta, muitas vezes a equipe que coordena os trabalhos no espaço é composta somente por mulheres e o público restrito a homens. Não há nada de errado. As mulheres são respeitadas e as atividades ocorrem normalmente. Isso, enfatiza ela, é fruto de um processo, que assim como tantos outros, consolida uma conquista feminina.

Caridade como missão de vida

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Irmã Conceição e as crianças atendidas no Lar Amigos de Jesus (Foto: Yago Albuquerque)

Conformismo nunca entrou no dicionário da Irmã Maria da Conceição Dias Albuquerque, da Associação dos Missionários da Solidariedade - Lar Amigos de Jesus. Até porque, antes de ser freira, consagrada em 1982, sempre entendeu que ação é uma forma de orar e que a vocação, mesmo dentro da Igreja, deve ser de movimento, prática constante da caridade. Para ela, embora a Igreja Católica confira o sacramento da ordem - que torna alguém diácono, padre ou bispo - apenas a homens, isso não significa que as mulheres sejam meras atrizes coadjuvantes em sua história. E de jeito nenhum, desde criança, a Irmã Conceição, conta, iria ficar apenas na contemplação. Filha de Massapê, região Norte do Ceará, ela veio para Fortaleza com a certeza de que era preciso fazer mais do que discursos em prol dos mais carentes e há 36 anos está à frente de um dos mais importantes e reconhecidos trabalhos sociais do Estado: o de assegurar lar, cuidados e assistência às crianças vítimas de câncer.

A inspiração para tamanha dedicação, conta, veio com as mulheres que sempre tiveram um papel relevante na humanidade como exemplos de força, amor e superação. A própria Bíblia Sagrada, argumenta, relata diversas histórias em que elas foram decisivas. "Isso aconteceu, por exemplo, com Rute, Ester, Débora, Dorcas, Maria e mais recentemente, Irmã Dulce, Madre Tereza de Calcutá. Elas não ficaram paradas vendo o tempo correr e as coisas acontecerem", frisa.

Para ela, toda mulher é "bem-aventurada" e deve ter um compromisso maior com as pessoas. "Mesmo que eu não seja mãe por conceber uma criança, me sinto realizada por ensinar e transmitir a elas sentimentos e valores importantes para sua formação como ser humano integral e mais feliz", emociona-se.

A Casa que atende em média 250 crianças e adolescentes, de zero a 18 anos, vindos de todo o Ceará e de outros Estados, sobrevive de doações. "O trabalho é diário, mas com esperança", diz.

O voluntariado, aponta ela, é a força viva que renova sua vontade de continuar, mesmo quando os desafios se multiplicam. "A maioria de quem atendemos aqui não enfrenta somente a grave doença, tem carência de abraços, sorrisos, carinhos, atenção e confiança", comenta a irmã que nunca tirou férias e está para o outro quase 24 horas por dia.

Vinda de uma família bem estruturada, pai da Aeronáutica, mãe professora, católicos fervorosos, teve as primeiras aulas de catecismo dentro de casa, junto com os cinco irmãos. "Rezávamos o Terço, líamos a Bíblia, íamos à missa aos domingos, então tudo isso favoreceu, inclusive tendo parente bispo como dom Benedito. Quando disse que iria ser religiosa, não foi surpresa. Agora, eu nunca pensei que iria ser fundadora de uma congregação religiosa como a Associação dos Missionários da Solidariedade", relembra.

Professora aposentada, fez Faculdade de Teologia, sempre voltada para o acolhimento aos mais pobres. "O meu chamado é esse, especialmente as crianças doentes sempre mais fragilizadas e a família dela que também precisa de atendimento, até porque não podemos separá-los na hora em que mais necessitam, durante o tratamento contra a doença tão difícil", analisa.

A felicidade, avalia, estar em conviver com seu semelhante. Para isso, indica, é necessário não usar o celular ou as redes sociais de forma exacerbada como acontece atualmente. "Eu sei que a convivência é complicada, mas está aí o segredo da vida", avalia. Para ela, o ser humano nasceu com o dom de se relacionar com o outro, de aprender, ensinar, e, é preciso cada dia alimentar essa aptidão natural, inspirada pela Criação. "A vida é uma prova constante, não podemos esmorecer", pontua.

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