Mazinho Loiola coloca outra profissão no rumo de sua vida

Legenda: Antes craque nos campos, agora ele tem diariamente a companhia de muitos passageiros no seu táxi
Foto: Kid Junior

Mazinho dá uma lição de vida ao mostrar que após cessarem os holofotes, é possível viver com dignidade

Sem nenhum embaraço ou vergonha pela nova atividade que realiza, o ex-atacante Mazinho Loiola diz que encontrou uma função que salvou o seu dia-a-dia, o seu casamento e a sua vida como um todo: ele é taxista. A profissão lhe tirou da ociosidade e lhe fez despencar do status de jogador de futebol de sucesso para a dura realidade do cotidiano, onde ele tem que trabalhar para completar o orçamento.

Mazinho Loiola parou de jogar aos 37 anos, quando estava no Ferroviário, disputando a Série C do Campeonato Brasileiro. Passou dois anos dentro de casa, vivendo na ilusão de que poderia manter o mesmo padrão de vida de quando era atleta bem remunerado. Depois desse tempo “só tirando” de suas economias e de alguns investimentos, sentiu que precisava tomar uma atitude, antes que as despesas viessem a comprometer a sua vida pessoal.

Real

“Eu resolvi cair na real. Por algum tempo, quando parei de jogar, quis manter o mesmo padrão de vida, com carro zero quilômetro etc., e com isso me desfiz de dois apartamentos que possuía”, confidenciou o ex-jogador.

Ao contrário do que muita gente pensa, Mazinho Loiola afirma que não ganhou fábulas de dinheiro na carreira. Ele diz que, na época do auge, os contratos não eram tão bons quanto os feitos pelos jogadores de hoje em dia. Mas, amealhou o suficiente para dar um padrão de vida com dignidade a esposa e filhos. No momento, tem duas vagas de táxi em uma cooperativa que presta serviços no Aeroporto Internacional Pinto Martins. Normalmente, trabalha na folga dos funcionários e entra no serviço de meia-noite às 3 horas, sem se queixar. Loiola garante que não possui muitos imóveis alugados, como se espalhou logo após pendurar as chuteiras.

Pensando em encontrar alguma fortuna ou tomar como refém o ídolo Mazinho, dois homens armados chegaram a invadir a sua residência, e não o encontrando, levaram pertences da esposa e dos filhos. Felizmente, saíram, deixando apenas o prejuízo material.

Quando estava na fase crítica do ócio, apareceu-lhe uma viúva de um taxista de uma das cooperativas do Aeroporto Pinto Martins que lhe vendeu uma vaga de táxi. O ex-jogador se empolgou e comprou duas, e agora se esforça trabalhando “Não ganhei dinheiro no futebol para ficar rico, mas o que eu ambicionei consegui, e isso é importante para mim”, confessou o ídolo das torcidas de Ferroviário, Ceará e Fortaleza, só para citar clubes locais.

Nascido em Tauá, Mazinho veio à capital cearense para estudar. Mas, levado pelo pai a um determinado jogo de futebol, apaixonou-se pela profissão e decidiu que era isso que queria fazer na vida.

Seu pai já o achava um bom jogador de futebol. Faltava um empurrãozinho maior. Em 1987, Mazinho resolveu levar o seu sonho mais a sério, ingressando no Ferroviário. Ficou até o final de 1988 e foi negociado direto para o São Paulo, pois o técnico Cilinho, que estava no Tricolor paulista, mandou um “olheiro” observar suas atuações e o mandou buscar. “Ele me disse, na época, que gostava de jogadores velozes e estava me levando por essa razão”, falou Mazinho. Tornou-se campeão paulista no ano seguinte e quando Cilinho saiu, Mazinho também foi embora, sendo emprestado para o Santa Cruz/PE. Daí, sua trajetória no futebol foi se delineando, normalmente acompanhada de conquista de títulos estaduais. No futebol cearense, passou pelos três clubes considerados grandes, Fortaleza, Ceará e Ferroviário.

Exemplo

Mazinho Loiola é um exemplo de que um atleta de futebol pode dar seguimento à sua vida como cidadão quando cessarem sobre ele, os holofotes da mídia e seu nome deixar de ser uma referência. Há vida após a bola.

CURRÍCULO - Ex-craque ganhou vários títulos

Mazinho Loiola foi campeão cearense pelo Ferroviário em 1988, ao lado de jogadores que se consagraram no futebol cearense e no brasileiro, em geral. Eis alguns deles: Silmar, Juarez, Marcelo Veiga, Robinson (goleiro), Arimatéia, Djalma, Arnaldo, Alves, Jacinto e Toninho Barrote, só para citar os mais conhecidos.

A fase era boa para o jovem atleta de Tauá e em 1989, ele conquistou outro título no São Paulo. Jogou ainda no Santa Cruz/PE, Sport/PE, Botafogo/RJ e Ceará. Em 1991, no Alvinegro, perdeu o título para o Fortaleza. Atuou ainda pelo Rio Branco/SP, Inter/RS, onde passou três anos e meio, Araçatuba/SP, Corinthians (3 meses), Paraná (2 anos), ABC/RN, União Barbarense/SP, Gama/DF, Avaí/SC , Fortaleza (2001, 2002, 2003 e 2004). Em 2004 foi para o Ferroviário, onde encerrou a carreira.

LUVAS POR VOLANTE - Sérgio Monte começou primeiro

Bem antes de Mazinho Loiola, o ex-goleiro Sérgio Monte, hoje com 50 anos, teve a idéia de trocar suas luvas de goleiro pelo volante de um táxi. Foi outra metamorfose que se operou em sua vida. O ex-atleta superou influências negativas que o empurravam para uma vida desregrada e hoje colhe os frutos de sua nova profissão. Nas ruas da cidade, sempre encontra um fã do passado e tudo de bom vem à tona.

Sérgio Monte jogou, entre outras equipes, por Ferroviário, Tiradentes, Ceará e Fortaleza. O jogo de sua vida ocorreu em 1984, pelo Fortaleza, contra o Palmeiras, em São Paulo, pelo Campeonato Brasileiro. Na época, pegou tudo e o Leão venceu por 1x0. Ele foi escolhido o melhor jogador em campo, ganhando vários prêmios. “Encontrei o valor das pequenas coisas e me enchi de alegria”, diz o ex-goleiro.

ENCERRAR BEM - Entidades procuram dar apoio 

Encerrar a carreira e iniciar uma nova profissão, com plena realização pessoal, nem sempre é uma tarefa possível para a maioria dos atletas. Exemplos os mais variados existem em todo o Brasil e basta lembrar a trajetória do ídolo nacional Garrincha.

Diversos outros jogadores lutam para se manterem produtivos e felizes, mesmo quando acaba para eles, o ofício principal, do qual tiraram seu sustento ao longo dos anos.

Muitos parecem não aceitar que o tempo passou, que as pernas cansaram e a juventude e a glória se esvaíram. É sempre possível encontrar exemplos em vários clubes locais, tanto Ceará, Fortaleza, Ferroviário ou qualquer um do interior. O jogador Tiquinho, herói do primeiro tetracampeonato do Ceará (nos anos de 1975, 1976, 1977 e 1978), passa por dificuldades no seu dia-a-dia. Para lhe dar uma ajuda maior, o Ceará o contratou de novo. O próprio jogador relata que tudo o que ganhou no futebol, gastou com diversão. Há também os que se empenham, mas ficam como peixes fora d´água, visto que não foram preparados para outra função.

Entidades

O Sindicato dos Atletas de Futebol do Ceará, presidido por Marcos Gaúcho, tem se empenhado em conseguir cursos de inglês para vários jogadores que estão em atividade ou começando a parar. A Associação de Garantia ao Atleta Profissional do Ceará (AGAP-CE), também capacita ex-jogadores para atuarem como técnico e faz um acompanhamento. O presidente Barbosa Pinheiro tem bolado vários programas.

CLERTON MARTINS - Existir no tempo livre
Pós-doutor, professor titular do Mestrado em Psicologia da Unifor, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Ócio, Trabalho e Tempo Livre (OTIUM).

No contexto atual ter um trabalho é algo que significa ´ser´, ´existir´. O que sugere que sem essa representação qualquer ser humano passa a representar/ser a categoria indesejável de desempregado, desocupado, o que não é nada confortável. Para o esportista, isso é visto na época que a aposentadoria chega. As habilidades já não são as mesmas. Chega o momento de deixar tudo o que se elaborou em prol do êxito do clube e vem um novo momento...sem torcida, sem clube, sem as glórias...apenas consigo mesmo. É hora de novas elaborações, agora todas bem suas, sem interesses externos. É hora de equilíbrio, estar inteiro e poder organizar-se em um novo tempo. É preciso compreender que na dinâmica da vida, nutrir o desapego e elaborar-se a cada dia é muito mais que um desafio, é uma ordem.

IVAN BEZERRA
Repórter