As migrações do Nordeste para o Sudeste e o Centro-Oeste representam um fenômeno provocado pelas estiagens prolongadas no Polígono das Secas, de modo especial nas décadas de 40, 50 e 60, quando a intervenção do poder público em socorro dos grupos rurais mais afetados pelas secas chegava tarde. Esses deslocamentos em período de calamidade chegaram a despovoar diversas áreas da região, implicando no desmantelamento da estrutura de produção agrícola familiar.Decorrido meio século, o fluxo migratório anual ainda persiste. Especialmente no início das safras agrícolas, para o corte da cana-de-açúcar e a colheita de café, laranja, uva, feijão, milho, alho e para a limpeza do pasto. Como culturas sazonais, elas dependem de mão-de-obra temporária, de baixo custo, não encontrada em seus Estados. A mecanização agrícola, com a introdução de técnicas de plantio, substituiu seu contingente nativo de trabalhadores, impondo-lhe a especialização, mas encarecendo o custo do emprego.Restou, porém, o trabalho grosseiro, para o qual pouco se exige de treinamento. Assim, para esse mercado, o Nordeste vem deslocando, a cada ano, 1 milhão de trabalhadores rurais distribuindo-os no interior de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Tocantins e oeste da Bahia, onde surge uma nova fronteira agrícola. A eles estão reservadas as tarefas secundárias. Esse mercado de boias-frias difere, em parte, dos deslocamentos das décadas passadas. Antes, as famílias arribadas se fixavam em novas plagas; hoje, o trabalhador se desloca sozinho, retornando depois dos meses de duração da safra.O Ministério do Trabalho e Emprego vem tentando ordenar as relações empregatícias dessa massa expressiva de origem rural, esbarrando, porém, na conveniência da informalidade. O trabalhador, para garantir vaga no mercado temporário, sujeita-se às condições oferecidas pelos empregadores; estes, por sua vez, reclamam contra o elevado custo da geração de um emprego formal. A solução repousa no contrato precário de trabalho, embora conveniente às duas partes.Para disciplinar as migrações, desde o deslocamento das áreas de origem da mão-de-obra avulsa, encontra-se em vigor, no âmbito do Ministério do Trabalho, a Instrução Normativa nº 76, baixada em 2009. Ela instituiu a Certidão Declaratória de Transporte de Trabalhadores (CDTT). O objetivo do governo é amparar o migrante rural, com a identificação do contratante e da oferta explícita do salário a ser pago.Para os que ficam, a realidade é outra e muito diferente. Os minifúndios já não empregam tanta mão-de-obra, inexistindo, portanto, ocupação e fonte de renda. O trabalho sazonal garante ao boia-fria, pelo menos por seis meses, algum ganho, depois de deduzidas as despesas de alojamento e alimentação. O Maranhão e o Piauí lideram os deslocamentos do contingente de trabalhadores.Contudo, no Ceará, há sinais visíveis dessa mobilidade no trabalho no Cariri, na Serra da Ibiapaba e no Sertão Central. A agricultura de base familiar sempre se voltou para a subsistência. Num ano seco, como o atual, a alternativa do emprego temporário evita os saques e a caracterização do flagelo.