'O que me interessa são as reformas e o ajuste', diz presidente do BC

Confira os principais trechos da entrevista com Ilan Goldfajn

Escrito por Estadão Conteúdo ,

Há um ano, quando assumiu, em 13 de junho, a presidência do Banco Central, o economista Ilan Goldfajn elegeu como principal bandeira uma inflação "baixa e estável". A taxa acumulada em 12 meses, medida pelo IPCA, estava em 9,5%. Hoje, derrubada em grande parte pela recessão que assolou o País, baixou ao patamar de 3,6% (taxa de maio), e a economia "se estabilizou". Condições suficientes para o BC garantir: o corte de juros continua. Ilan segue com um olho nos índices macroeconômicos e outro nas reformas para calibrar o ritmo da queda de juros. "A incerteza nas últimas semanas aumentou", reconhece. "Mas, podemos ter as reformas e os ajustes avançando. E é só isso que me interessa, sob o ponto de vista do BC", disse, em entrevista. A seguir, os principais trechos: 

Um ano de Banco Central. Qual é o seu balanço?

Foi um ano em que a direção de política econômica mudou. Aí não é só uma questão de Banco Central, tem as questões econômicas, muitas reformas, muitos ajustes. A percepção, quando se olha o ano como um todo, é que, de fato, houve bastante avanço. Na questão do Banco Central houve mudanças relevantes. A começar por um dos objetivos principais do BC, que é a inflação. Eu mal sentei aqui e já estavam falando em meta de inflação ajustada. Basicamente, uma das nossas primeiras decisões foi não fazer uma meta ajustada, porque achávamos que a meta de 4,5% era possível de ser atingida. Na economia, estávamos no meio de uma recessão, com inflação. Hoje em dia temos uma economia, eu diria, que se estabilizou no primeiro trimestre. E perspectivas de uma recuperação gradual. A situação é diferente, porque aí a gente consegue, sob o ponto de vista da política monetária, entrar no período de flexibilização, que é nossa linguagem para redução da taxa de juros. O que se discute hoje é a velocidade, o ritmo e a extensão. Mas não se discute se a inflação ainda está alta, se tem de subir juros.

A avaliação do BC é de que a recessão acabou?

Eu diria... Vimos no primeiro trimestre um crescimento razoável, de 1%. Uma parte importante desse crescimento tem a ver com o setor agrícola, mas tem a outra parte que indica que pelo menos houve uma estabilização. A gente olha para frente e acredita que existe a possibilidade de uma recuperação gradual, ao longo deste ano. Bancos centrais falam de possibilidades, não é uma diminuição de nada, é simplesmente porque temos de tomar decisões - Copom, ou outras decisões - em que a gente sempre vai observar a atividade, se ela está recuperando gradualmente, se mais lento, mais rápido. É o risco que a gente tem colocado.

A crise política mais recente atrapalhou o roteiro traçado pelo BC?

Trabalhamos no BC sempre com as questões econômicas e técnicas. Desde o primeiro dia (da crise) me perguntaram: "o que vocês vão fazer?" Vamos fazer a questão técnica. Tentamos trabalhar da melhor forma. Tenho avaliado a consequência dos últimos eventos e as reformas e ajustes. São diferenças importantes. Podemos ter as reformas e os ajustes avançando, e é só isso que me interessa sob o ponto de vista do Banco Central. A incerteza nas últimas semanas aumentou. Mas é possível que venha a diminuir, acho que estamos vendo algumas reformas avançando, a trabalhista está saindo da comissão, isso significa que a incerteza diminui. Vamos ter que observar como anda a reforma da Previdência.

O mercado já estava apostando numa velocidade e queda maior dos juros. A crise política influenciou a última decisão do Copom?

Houve de fato uma colocação nossa na reunião, não na última (maio), mas na penúltima (abril), em que a gente disse que estava discutindo qual o ritmo adequado (de corte da Selic), se é o ritmo daquele momento de redução, ou se as reformas andassem mais rápido, a gente estava até avaliando mudanças de ritmo, naquele caso. Mas, não tínhamos tomado nenhuma decisão. Inclusive, na própria semana que teve esse evento (delação de Joesley Batista, um dos sócios da JBS), a gente até falou: ‘Olha estamos discutindo ainda. Olha, não toma isso como dado. Estamos avaliando.’ E, no fim das contas, a nossa decisão, a última, foi em linha com o que a gente tinha anunciado como uma das opções (corte de 1 ponto porcentual). E também nossa comunicação do que poderia vir para frente. Poderia - sempre na condicional.

Entre as reformas, a da Previdência é a principal, mas há risco de virar uma minirreforma, com a crise. Qual é o impacto disso?

Para nós, quanto mais ampla a reforma, melhor. Mas não é só a reforma da Previdência. Há reformas e ajustes. Há um conjunto dessas medidas, que são relevantes, não para o BC, mas para o País. A reforma da Previdência é uma reforma fiscal e, por ser fiscal, é relevante. Mas não é a única. 

A Medida Provisória 784 (que abre espaço para bancos e corretoras fazerem acordo de leniência com o BC) recebeu críticas por poder limitar o poder de investigação de outras instituições. Por que o BC diz que essa percepção é equivocada?

A MP está dentro da nossa agenda BC+ e foi divulgada em dezembro (de 2016). Não é uma medida que lida com questões conjunturais. Em 2015, (a MP) estava quase pronta para ser editada, foi enviada para a Casa Civil. E, por razões que vocês sabem bem (processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff), ela acabou tendo de voltar. Voltou a ser analisada pelo Ministério da Fazenda e todos os outros atores. Como está dentro da nossa agenda BC+, tenho insistido que toda a nossa agenda tem de ser mantida. Já essas polêmicas conjunturais não têm a ver com o projeto. O BC só vai lidar com questões de irregularidades administrativas. São coisas do nosso dia a dia. 

O temor de instituições financeiras em torno de eventual delação do ex-ministro Antônio Palocci já estaria levando alguns bancos a procurar o MP para possível acordo de leniência. Já está havendo essa procura no BC?

Não. Até porque, a gente precisa regulamentar aqui dentro. Depois que aprovar, é preciso ter uma norma para detalhar. As coisas mais específicas ligadas ao BC precisarão de uma norma. Eu não vou entrar na questão desses comentários porque nenhum desses é oficial. Sob o ponto de vista oficial nada veio à gente. As conversas não têm a ver com coisas administrativas. Me parece que quase tudo é na área penal e criminal, mesmo nessas conversas. Então, me parece que não é o caso de o BC estar envolvido nessas questões. Essa medida tem de ser entendida como medida estrutural. Não tem nada premente, não tem nada vindo do Banco Central. Estamos trabalhando de uma forma técnica, as questões administrativas não são as questões, digamos, essenciais. Então, não tem por que entrar na seara do BC.

Um dos pontos polêmicos da MP é o termo de compromisso e a possibilidade de permanecerem sob sigilo em caso de risco à estabilidade financeira. Que problema administrativo poderia gerar risco sistêmico?

O mais importante em termos de compromisso é poder ter agilidade ao invés de um processo administrativo longo e burocrático. Isso é algo observado na esfera internacional: vários compromissos das autoridades que chegam logo a um acordo: paga-se tanto e resolve-se. Isso é o mais importante. O resto, eu vejo como uma exceção, com uma probabilidade muito pequena, e estaria ligado a questões de instituições muito grandes com questões muito agudas. E me parece que é algo muito remoto. Sobre o acordo de leniência, ele será sempre aberto sem exceção. Em momento algum o acordo de leniência vai ser fechado. Só, obviamente, no momento em que você está negociando. Uma vez que você assinou tudo (acordo de leniência), você revela para o público a posteriori. O acordo de leniência é aberto depois de fechado. O termo de compromisso é sempre aberto como regra, mas na hipótese muito rara de ser fechado, será fechado em todo o processo.

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