Marketing: Marcas, tendências, ideias e comportamento

Andrea Bisker é especialista em tendências e comportamento e traz aqui alguns insights sobre esse tema

Escrito por Valerya Abreu - Colunista ,

Andrea, a primeira pergunta é logo a que mais interessa pra todo mundo, especialmente para mim. Como, no seu ponto de vista, as marcas podem mudar o mundo?

Em todo o mundo, estamos vendo uma ampla falta de confiança - dos escândalos na política, segurança de dados, evasão fiscal das empresas até a qualidade dos produtos desenvolvidos pelas grandes marcas. Uma pesquisa da Edelman Significa realizada em 2017, a Trust Barometer, mostra que 70% dos brasileiros estão temerosos em relação à corrupção, e só 13% dos entrevistados acreditam que o sistema funciona. O que demonstra que há pouquíssima confiança na política.

A corrupção, ganância dos nossos políticos e empresários, e uma diferença social que não para de crescer estão destruindo a esperança das pessoas de que alguma coisa vai mudar. Na nossa pesquisa realizada pelo time de experts da Stylus, descobrimos que as pessoas desejam que as marcas, ao invés do governo, desempenhem um papel maior na influência na mudança. Marcas incorporando propósito em tudo o que fazem têm sido um mantra de marketing por alguns anos agora. Há hoje um novo território a explorar, bem complicado para marcas. O que significa ir além do propósito? Significa assumir causas controversas.

Os consumidores sentem que as empresas devem abordar as questões que enfrentam. Mas o fato é que pessoas querem que as marcas tomem uma posição sobre as questões culturais mais difíceis de hoje.

Isso significa que as marcas têm que lidar com as questões mais importantes que são relevantes para o seu público, especialmente se quiserem alcançar millenials e Geração Z, que ignoram as marcas tradicionais e querem se alinhar com marcas de 'movimento cultural'. Marcas que estão indo nessa direção, de enraizar um 'propósito' no seu trabalho, estão fazendo isso porque têm prova clara que os consumidores querem que elas participem dessa conversa cultural.

As marcas têm o poder de moldar a cultura, e para isso, elas precisam provocar a agenda, ao invés de simplesmente refleti-la. Marcas que tomam uma posição sobre as questões culturais do dia, e em particular as difíceis que as outras marcas ignoram, são as preferidas dos Millenials e Z.

E você acredita que muitas marcas já têm consciência dessa possibilidade, de que elas podem desenvolver um propósito transformador?

Na nossa pesquisa, identificamos inúmeras marcas que já tomam uma posição. Tome o exemplo da marca Doritos, daPepsico, que na sua campanha de setembro de 2016, incentivou o jovem americano a votar. O voto de jovens na América diminuiu em dois dígitos desde 1964. A marca de sorvetes da Unilever Ben & Jerry's, que se descreve como marca de justiça social, lançou o Sorvete Empowermint como parte de sua campanha Democracy in Your Hands, que conduziu as eleições presidenciais dos EUA. A marca Ariel na Índia tentou mudar um pouco a narrativa no ano passado com a campanha Share The Load. Na India, 90% dos homens acham que lavar roupa é trabalho de mulher, e essa campanha tentou mudar essa percepção machista. O vídeo da campanha, que foi lançado em fevereiro, mostrava um pai percebendo como a filha voltava do trabalho cansada, e ainda se sentia na responsabilidade de fazer trabalhos domésticos. O pai então se sente culpado de ter criado a filha com essa percepção. O video atraiu mais de 3 milhões de views no YouTube em três dias. A agência BBDO Índia, que criou a campanha, disse que eles sentiram que havia a necessidade de criar uma estória muito maior, de reconciliação e até autoanalise. E esse assunto do sexismo ainda é muito latente em diversos paises. Dar no assunto, e conhecer o seu mercado e sua marca mais do que tudo.

E o que falta, na sua visão, para que mais marcas percebam que essa possibilidade existe e para que desenvolvam essa dimensão?

Ampliar o olhar e observar as mudanças no comportamento dos consumidores. O assunto é tão relevante que eu acredito que a maioria das marcas já está conectada com esta necessidade. Várias pesquisas apontam que a geração dos Millenials e a Geração Z está preocupada com causas sociais, como combate à pobreza ou preservação do meio ambiente. Isto exige uma nova postura das empresas que desejam atingir esse público. Uma das pesquisas, a Bowler/Pimenta Pesquisa, aponta que 54% dos entrevistados acreditam que as empresas devem se engajar e assumir essas bandeiras e, para 82% desse público, as companhias têm poder transformador.

E porque muitas marcas não se preocupam com a sua dimensão afetiva, em desenvolver esse aspecto?

Porque ainda não despertaram para a nova era, para este novo mundo transformado. Estamos vivendo realmente uma mudança de época e não somente uma época de mudanças. A revolução digital e a pós- digital conectou o mundo de tal forma que a abundância de informação permite que todos tenham acesso ao que acontece. O consumidor tem voz própria, comunica o que gosta e tem hoje o poder de alavancar as suas marcas. Quando as marcas entenderem que ele optará somente por marcas que abracem as mudanças que ele, consumidor, quer que aconteçam, elas se movimentarão.

As pessoas querem se vincular a marcas que apoiem causas, abram portas para diálogos e ações efetivas.

Como um ativo valioso que é, as marcas representam não só capital intangível mas também tangível, ou seja, financeiro. Você acha que isso não está claro ainda para muitas empresas?

Acho que está claro sim, mas talvez algumas ainda não encontraram a melhor equação para se posicionar.

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.