Marcas de luxo às vezes preferem "virar lixo"

Mercado de luxo global enfrenta desafios que incluem a incineração de produtos para evitar ir parar em 'mãos erradas'

Escrito por Valerya Abreu - Colunista ,

O que faz uma marca de sucesso ser notável e desejada em todo o mundo? Aspectos como exclusividade e originalidade estão entre as respostas possíveis, o que não justifica, mas explica, o fato de que algumas das marcas mais admiradas do planeta adotem atitudes nada politicamente corretas em nome da manutenção da sua "aura" e approach de exclusividade e diferenciação.

Para não ir parar em "mãos erradas", tornar-se "popular" e arriscar perder parte do seu valor, marcas como a Burberry prefere queimar, literalmente, seu estoque, diante do risco de "despersonalizar" seus produtos, uma vez que a grande tendência de itens que não foram vendidos no tempo certo e para o "público certo" é o de ter que fazer promoções, com redução de preço e perda de valor e consequente risco de ser adquirido por um público distinto do seu próprio.

Visto assim, ameniza-se a questão, mas sem dúvida trata-se de um fato negativo de enorme impacto social, já que soa como uma afronta para segmentos da sociedade que não têm poder de consumo para itens de luxo; econômico, considerando as somas envolvidas que viraram pó; ambiental, já que no processo de incineração de toneladas de produtos é alto o índice de CO2 liberado; e político, resultando em uma bandeira de fácil apelo para críticas e afrontas para uma prática realmente indevida mas já adotada no mercado por grandes redes.

É nesse contexto, portanto, que o fato mais recente, protagonizado pela marca inglesa Burberry, chama a atenção e consegue impactar r até os amantes da marca. Os números envolvidos nesse episódio são assustadores e ultrapassam o faturamento anual de muitas empresas: R$ 140,6 milhões em produtos incinerados no último ano pela Burberry. A notícia ganhou o mundo a partir de uma denúncia feita pelo jornal The Times e, claro, repercutiu negativamente. A marca justificou por lá dizendo que a "queima de estoque" se deu para impedir que os produto cheguem "às mãos erradas". Ou seja, a marca prefere manter a imagem de exclusividade a correr o risco de que as peças sejam revendidas e caiam no contrabando, por exemplo.

Segundo foi divulgado, a Burberry admitiu que tem queimado seu estoque indesejado, mas diz que encara as questões de desperdício "muito seriamente", mas, por alguma razão, o valor dos produtos descartados teria crescido seis vezes desde 2013, e o total de queimas no período ultrapassa o valor de 90 milhões de libras.

Mas sabe-se que a Burberry não é a única, trata-se de uma prática "comum em diversas indústrias de luxo", sendo justificada como uma forma de as marcas "protegerem sua propriedade intelectual e impedirem a falsificação", mantendo a cadeia de abastecimento intocada.

Louis Vuitton, Channel e Nike são outras marcas que já admitiram fazer o mesmo. Os valores relativos à queima dos produtos dessas marcas também são gigantescos e a justificativa é a mesma: impedir o uso considerado inapropriado.

Dilemas à parte, em um mundo em que a disputa é por valor e no qual os ativos mais fortes são de natureza intangível, a queima de produtos indica a presença invisível de contrariedades. Onde tem fogo tem fumaça.

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