Índios celebram a natureza para estimular o manejo sustentável

A Festa do Marco Vivo, na etnia Jenipapo-Kanindé, adota o replantio de árvore para manter a preservação

Escrito por Redação ,

Poucas práticas antigas são tão bem vistas como inovadoras do que a tradição indígena com a natureza e o meio que lhe dá suporte e sustento. Hoje, mais do que ontem, a prática de manejo sustentável é quase vista como uma obrigação, embora exatamente assim devesse sempre ser vista. Mas o medo do que está acontecendo com o Planeta, de causa sinistra geralmente resumida a "aquecimento global", aumenta a preocupação com a sustentabilidade, no conceito mais amplo possível do termo. É quando, mais uma vez, os povos tradicionais indígenas ensinam.

A primeira lição é de que a natureza, da qual tiramos sustento, é a grande mãe. Dessa forma, o meio ambiente assume um valor simbólico e espiritual. Se o "Pai Tupã", ou Deus, dá vida, a natureza (e o que fazemos com ela), encarrega-se de manter essa vida. Com essa concepção, os índios celebram o meio ambiente para comemorar a própria existência. O manejo sustentável acaba sendo uma consequência.

Como o Planeta é um só, para índios e não índios, a lógica convergente é que, com um campo simbólico espiritual ou não, os cuidados de manejo parecem os mesmos para um planeta de recursos em fase de escassez.

Marco Vivo

Acompanhamos a Festa do Marco Vivo da Yburana, realizada todos os anos na aldeia Lagoa Encantada, da etnia Jenipapo-Kanindé, município de Aquiraz. Contando de trás para frente, a celebração culmina com o replantio de um tronco de "yburana" no alto do morro do Urubu.

Mas antes disso, foi um dia inteiro de dezenas de pessoas dançando o toré para comemorar a existência da yburana, ou imburana (Commiphora leptophloeos), planta nativa da Caatinga, seu nome vem do tupi que diz "falso imbu". Pode chegar a 15 metros de altura. De suas folhas se extrai um remédio expectorante natural - reconhecido cientificamente. Assim, remédio para gripe, resfriado, bronquite. Suas sementes servem para produzir perfumes e sabonetes.

Na festa do Marco Vivo, a imburana representa toda a natureza. A cacique Irê, filha da cacique Pequena (por sua vez, a primeira do Brasil que se tem conhecimento), comanda a festa em que pede respeito ao Pai Tupã e à Mãe Natureza. A poluição da água e o desmatamento destroem o mangue, afetam a produção de peixes na lagoa, resultando diretamente na escassez na panela. A panela do mundo está mais vazia do que cheia. E isso não é pessimismo.

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As práticas indígenas são muitas vezes rotuladas como de exclusiva defesa da floresta, mas o conceito de sustentabilidade dos povos tradicionais envolve sociedade, economia e até política. Longe da antiga lógica de cultura de subsistência, os índios associam o uso dos recursos naturais a uma vida mais saudável, menos poluente e com o máximo de garantia de que os recursos tenham durabilidade. Alguma semelhança com o discurso hoje preconizado pela sociedade em geral? Desmontando os estereótipos, eles não estão convidando os não índios para viverem em aldeias com recursos mínimos para daí serem sustentáveis, mas adotarem a preservação da água, do ar e do verde nos próprios espaços onde vivem.

"A natureza é de todo mundo. Então o importante é saber usar. Tem que saber que o que usamos hoje vamos precisar ter amanhã", afirma Cacique Pequena. A noção de que os recursos naturais são findáveis faz dos rituais sagrados indígenas um agradecimento e pedido pela manutenção da vida. Ao mesmo tempo, a deles próprios - geralmente detentores de áreas de floresta e litoral visadas por empreendimentos econômicos, disputam para permanecer em seus territórios. Mas, geralmente, só lembramos deles no dia 19 de abril, ainda de forma estereotipada.

FIQUE POR DENTRO

Pela afirmação das identidades de seu povo

A Festa do Marco Vivo de Yburana existe há 15 anos (foi criada em 1999), na comunidade de Lagoa Encantada, município de Aquiraz. Lá, vive a etnia Jenipapo-Kanindé, que vive da agricultura, pesca e do turismo comunitário. O território já delimitado aguarda homologação judicial. A Coordenação dos Povos Indígenas do Ceará (Copice) tem registradas 11 concentrações de etnias indígenas no Estado: Tapeba (Caucaia), Tremembé (Acaraú, Itarema e Itapipoca), Pitaguary (Maracanaú e Pacatuba), Jenipapo-Kanindé (Aquiraz), Kanindé (Canindé e Aratuba), Potiguara (Tamboril, Crateús, Monsenhor Tabosa e Novo Oriente), Tabajara (Monsenhor Tabosa, Crateús, Tamboril, Poranga e Quiterianópolis), Kalabaça (Crateús e Poranga), Kariri (Crateús), Anacé (São Gonçalo do Amarante e Caucaia), Gavião (Monsenhor Tabosa) e Tubiba-Tapuia (Monsenhor Tabosa).

Melquíades Júnior
Repórter

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