Governo prepara plano para economizar energia
Anuncio coincidirá com o fim do período de chuvas, quando analistas dizem haver racionamento no País
Rio. Apesar de descartar o risco de um apagão no País o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, admitiu ontem que o governo federal prepara medidas de economia de energia a serem lançadas em 60 a 90 dias. A adoção das ações coincidirá com o fim do período de chuvas, quando especialistas acreditam que possa ser decretado o racionamento de energia.
"Vamos lançar um programa de eficiência energética que com certeza vai ter um impacto muito positivo. Estamos trabalhando nisso e esperamos que nos próximos 60 a 90 dias tenhamos um conjunto de ações", afirmou Braga na sede do Operador Nacional do Sistema (ONS), onde discutiu medidas com o órgão, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
A ideia é incluir no pacote um prêmio para a eficiência energética. A fórmula ainda está em estudo, mas não passará pelo uso de incentivo fiscal. Segundo o ministro o programa vem sendo discutido com o setor há alguns dias.
'Não haverá novo apagão'
A previsão divulgada ontem pelo ONS indica que em fevereiro as chuvas no Sudeste e Centro-Oeste, responsável por 70% da capacidade de armazenagem do País, alcançarão apenas 52% da média histórica. Mesmo assim, Braga descartou a ocorrência de um novo apagão.
"Sinceramente não vejo risco", afirmou. Mais cedo, o ministro classificou como "desafiadora" a situação do fornecimento de energia e destacou que, atualmente, o principal desafio é a mudança nos horários de pico no setor, que se deslocaram do fim do dia para entre 14h e 16h.
Segundo ele, o ONS e a Aneel têm feito remanejamentos para garantir o abastecimento, chegando a obter 5 mil MW de folga no sistema interligado nacional.
A expectativa, inclusive, era que, na reunião, fosse apresentado o relatório sobre a investigação das causas do apagão que atingiu as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste no dia 19 de janeiro, mas não houve novas informações divulgadas.
Questão hidrológica
"Energia nós temos. O problema é quando temos os picos de demanda. De qualquer forma há uma crise hidrológica que também afeta o setor elétrico", observou o ministro. Questionado sobre qual seria o limite do governo para decretar racionamento, Braga disse que tudo depende das condições hidrológicas, mas ressaltou que ainda há manobras disponíveis para assegurar o abastecimento, como a importação de energia da Argentina, o acionamento da termelétrica de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, e de uma nova rede de transmissão no Rio Madeira, a partir de fevereiro.
O ministro Eduardo Braga participou da reunião do conselho do ONS, que reúne empresas dos segmentos de distribuição, geração e transmissão.
Segundo ele, o governo cobrou das empresas do setor a solução de questões como o atraso em obras e ouviu reivindicações. O governo marcou uma outra reunião para reavaliar o cenário do setor elétrico no próximo dia 12, em Brasília.
Sinal vermelho em duas hidrelétricas
Brasília. Em pleno período chuvoso, duas importantes hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste entraram em situação crítica por causa da queda do nível de seus reservatórios. No Rio São Francisco, a atenção está voltada para a Hidrelétrica Três Marias. Localizada na cabeceira do rio, a usina funciona como um regulador de vazão da água que chega até os demais reservatórios do São Francisco.
Na última quinta-feira, Três Marias registrava 10,34% da capacidade total de seu reservatório. Com capacidade de gerar 396 megawatts (MW), a usina está com apenas uma de suas seis turbinas em operação, entregando somente 36 MW. A ordem do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) é armazenar toda água que for possível.
No Rio Grande, a preocupação é com Furnas, hidrelétrica de 1.216 MW de potência que também tem papel crucial na geração nacional de energia. Das 8 turbinas de Furnas, 6 estão em operação, mas podem ser alvo de redução nas próximas semanas. Para preservar a usina, o ONS colocou Furnas no fim da fila de geração diária. A orientação é explorar primeiro as outras fontes energéticas da região.
Racionalização
Na semana passada, o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, chegou a dizer que medidas de racionamento ou de racionalização seriam necessárias caso as hidrelétricas registrassem níveis inferiores a 10% de sua capacidade máxima. Para preservar os estoques de água, o ONS tem reduzido o volume que passa pelas turbinas das hidrelétricas.
A comparação do cenário atual com o de um ano atrás nas duas usinas dá uma dimensão da gravidade do problema. Em janeiro de 2014, Três Marias acumulava 28% de sua capacidade total de armazenamento; Furnas, 47%. Esses volumes de água, porém, não evitaram que ambas chegassem a níveis mínimos no período seco, entre maio e novembro. Em outubro, Três Marias agonizou, com apenas 2,89% de sua capacidade. Em Furnas, o armazenamento chegou a 11,64% em novembro.
Risco de racionamento é de 60%, diz especialista
Brasília. O diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), Adriano Pires, disse que o risco de haver um racionamento de energia no país é de 60%. Pires, que foi um dos colaboradores do programa energético da campanha do candidato à Presidência Aécio Neves (PSDB), participou, ontem de um evento realizado pela bancada do partido em Brasília, para discutir a crise no setor de energia.
"O setor está vivendo o pior momento da vida dele. Tem uma conta para pagar de R$ 115 bilhões (acumulada de 2012 a 2014, segundo suas estimativas), assumida pelo setor, em função dessas tarifas populistas e estamos na beira de um racionamento", disse. Segundo o especialista, o governo está "novamente" apostando na chuva para conseguir resolver a situação.
"É inacreditável um ministro de Minas e Energia (citando Eduardo Braga) declarar que está esperando o reservatório chegar a 10% (para decretar um racionamento). Ele está esperando o blecaute", afirmou.
Para o especialista, a presidente Dilma Rousseff deveria fazer um pronunciamento para lançar um grande programa de eficiência energética e propor a racionalização do consumo elétrico.
"Pedindo que voluntariamente as pessoas diminuam seu consumo. Em pouco tempo não vai ter nem energia para fornecer para a população. Vai ter que ter corte mesmo", completou.
Petrobras
Pires classificou a atual crise vivida pela Petrobras como uma "tragédia" ignorada pelo governo, que não estaria tomando as providências necessárias para salvar a empresa. "O governo é o grande culpado, que destruiu a Petrobras para fazer política econômica, segurar a inflação. Usando a empresa para ajudar os partidos, o PT e aliados. Para fazer política industrial, elegendo os amigos do rei", afirmou.
Para ele, a solução para a estatal depende de uma reformulação completa. "É preciso trocar a diretoria, o Conselho de Administração. Imediatamente. Refundar a empresa", argumentou. "Uma empresa de 400 mil funcionários, vamos combinar que é ingovernável", disse.
Pires reforçou que não defende a demissão de funcionários, mas o que chamou de "dar um novo arranjo para a empresa".
Chipp: sem chuvas não há manobras
Rio O diretor geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Hermes Chipp, afirmou ontem (30) que o órgão não tem muito mais margem de manobra para garantir o abastecimento de energia em caso de escassez de chuvas. "É um desafio mesmo, porque não tem margem. Só uma medida ou outra. O grande vilão agora é a chuva", disse o diretor.
Chipp diz que é preciso aguardar o mês de fevereiro, um dos mais chuvosos tradicionalmente, para saber como ficará o nível dos reservatórios e tomar alguma nova medida. Embora não use a palavra racionamento, ele admitiu que a demora para agir pode levar a cortes mais drásticos. "Quanto mais você espera, aumenta o corte. Se você tomar antes diminui o corte, mas corre o risco de chover. É muito difícil esse "trade off" (escolha)", disse.
Pela previsão do Operador Nacional, no fim de fevereiro o nível dos reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste deverá ser de aproximadamente 20,1%, não muito superior aos 17,2% atuais.