Feira de ilegalidades todo fim de semana

Escrito por Redação ,
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A feira da Parangaba, há mais de 20 anos na ativa, é o maior exemplo do flerte entre informali- dade e ilegalidade

Domingo é dia de feira. Logo cedo da manhã, uma multidão se desloca para o polo de lazer da Parangaba, onde funciona um dos principais aglomerados de comércio informal da cidade. Lá, encontra-se de tudo, ou quase tudo, e a preços bastante convidativos. E são estes que, de fato, atraem os compradores, uma vez que quem consome não parece se preocupar com a origem ou a legalidade do que se está sendo comercializado por lá. A feira da Parangaba, há mais de 20 anos na ativa, tornou-se o maior exemplo do flerte entre a informalidade e a ilegalidade em Fortaleza.

O espaço da praça se torna pequeno para a quantidade de negócios que lá vai surgindo: ambulantes se espremem, se espalham pelas avenidas e seus canteiros e pelas calçadas das ruas ao redor. Um caos se forma, tornando difícil o trânsito de veículos e pedestres, que brigam pelo mesmo espaço. Nem a presença da Autarquia Municipal de Trânsito (AMC), que se encontrava nos arredores da feira (e, segundo a Prefeitura, se faz presente aos domingos) consegue fazer o trânsito fluir.

De tudo

Os produtos vendidos vão de simples bijuterias a automóveis. Ao longo do meio fio, uma fileira de carros usados, todos à venda. Pela avenida, também passam ambulantes caminhando com carrinhos de mão. Neles, som de carro, televisores, ferramentas, móveis, frutas, CDs e DVDs, para citar apenas os mais comuns.

Adentrando a feira, as "ruas" são estreitas para tantos passantes. Uma infinidade de produtos e serviços surge à frente: dá pra sentar-se a uma das mesas de plástico dos quiosques no meio da multidão, comprar um espetinho, tomar cerveja e, ao som do forró nas alturas, esperar os ambulantes que passam oferecendo os mais variados itens.

Nos "pontos" de venda, os vendedores dividem o tempo entre o atendimento aos clientes que não param de chegar e a contagem do dinheiro que vai sendo apurado. "O meu ponto, se fosse vender, seria uns R$ 12 mil, no mínimo. Mas ninguém vende, não, é muito bom. Aqui, não paro de vender", diz Joana, alheia à proibição da venda de "pontos" - já que se trata de um espaço público.

Abordagem

Escolho um nome fictício, já que os vendedores se mostram avessos a entrevistas. Para conseguir a informação, passei-me por estudante de Ciências Sociais, fazendo um trabalho sobre feiras para a faculdade.

Aos 44 anos, a vendedora já conta 12 na feira. Vende brinquedos e variedades e consegue apurar, com eles, mais de R$ 4 mil ao mês. Isto é, em apenas quatro dias, uma vez que a feira só funciona ao domingo. "Tirando os nossos gastos, dá um apurado de uns R$ 2.600 ao mês. Para quem não é formado, como é o meu caso e do meu marido, é muito melhor trabalhar aqui", diz, apontando que seu marido não possui sequer o ensino fundamental completo.

Os dois trabalham também com uma banca no Centro, onde vendem os mesmos produtos, e comparam: "lá, a semana toda é o equivalente ao apurado de um domingo só aqui". No começo de mês, as vendas são ainda melhores, e trabalham três no ponto, ela, seu marido e seu filho. "E, ainda assim, não dá conta. Tem gente que sai sem ser atendido".

Mina de ouro

A pouca educação formal também motivou Jorge (nome fictício) a seguir os caminhos da informalidade. Há apenas quatro meses na feira, ele já tem noção da "mina de ouro" no lugar. Vende vídeo-games e jogos, e há 18 anos trabalha como feirante. Antes, na Praça da Lagoinha, até que a feira acabasse, no primeiro semestre do ano. Como a feira da Parangaba é só aos domingos, na semana ele vende na Praça da Estação. Tira quase dois salários em quatro dias de feira. "Nunca pensei em trabalhar de carteira", diz. E também não tem planos de sair da feira: "se eu vender meu ponto, vou pra onde?". (SS)

IRREGULARIDADES

Venda de papagaios a óculos de grau

Andar pelas "vielas" da feira de Parangaba deve ser, antes de tudo, um exercício de atenção. E muito cuidado. A venda de produtos roubados, falsificados e de comercialização proibida é evidente. Os preços baixos estão por todos os lados, mas, em alguns casos, a origem das mercadorias é bastante duvidosa.

Para realizarmos a reportagem, decidimos, por questão de segurança, tirar fotos somente da avenida, de dentro do carro. Tensão constante. Os olhares nos vinham desconfiados por parte de alguns vendedores. Entramos na feira, portanto, sem identificação, passando-nos por consumidores, como quaisquer outros que lá estavam.

A feira da Parangaba também é conhecida como a "Feira dos Pássaros", visto a quantidade de aves comercializadas. Procuramos por um papagaio. "Não vendem mais papagaios por aqui?", pergunto a um jovem que vendia bicicleta. "Vende sim, é mais lá para o meio", respondeu. Chegando ao local apontado, em meio a várias gaiolas com as mais diversas espécies de aves, não encontramos o papagaio. "É que o Ibama bate aqui de vez em quando, mas pode dar umas voltas que vai aparecer alguém", informou um ambulante. A venda de pássaros silvestres é ilegal, e a fiscalização cabe ao Ibama.

Assim como havia dito o ambulante, o vendedor de papagaio apareceu, com um filhote do pássaro no dedo. "É cinquenta reais", tentou negociar. Agradecemos, e saímos, comprovando que o comércio ilegal insiste na feira. E as irregularidades não param por aí.

Em uma banca mais à frente, encontramos a venda de óculos de grau. "Tem de quatro graus?", pergunto, sendo prontamente atendido com o item pedido. Custa R$ 10, armação e lente, sem necessidade de receita de oftalmologista. "Este é de miopia, hipermetropia ou astigmatismo?", questiono, ingenuamente. "Ele é só pra ler", vem a resposta. As marcas falsificadas também estão presente por todas as partes. Por R$ 15, é possível comprar um óculos Ray-Ban, ou, pelo menos, com o adesivo da marca. Os CDs e DVDs piratas, que estão por toda a parte, já nem chamam a atenção dos policiais, que fazem a ronda na feira.

A feira da Parangaba é um universo de economia informal, que gera trabalho e renda a muitos, mas que também contribui para o lucro da marginalidade e do tráfico. (SS)

EM DOIS ANOS

Cadastros dobraram

Não existe um número exato de quantas pessoas vendem na feira da Parangaba. Nos últimos anos, houve um crescimento desordenado do comércio por lá, e o último cadastro da Prefeitura, realizado em 2009, já não dá mais a dimensão dos negócios informais existentes no local. De acordo com a Secretaria Executiva Regional IV (SER IV), somente de 2007 para 2009, o número de cadastrados dobrou, passando de 1.084 para 2.187. Todos eles, entretanto, deverão ser retirados do local, de acordo com projeto municipal.

De acordo com a SER IV, dentro do projeto de urbanização da Lagoa da Parangaba está incluída a ação de remoção da feira do local, o Polo de Lazer da Parangaba, e transferência para uma outra localização, a qual ainda está em estudo.

A secretaria informa que as primeira atividades do projeto já iniciaram este ano com o término da limpeza completa da lagoa. De acordo com a Célula de Limpeza Urbana da Regional IV, a feira gera, a cada fim de semana, uma média de oito toneladas de lixo que são jogados na lagoa.

Outra atividade é o início da reforma do calçadão, previsto para os próximos meses. Somente após a reforma estrutural do polo de lazer que será iniciada a remoção dos feirantes. "A Prefeitura está fazendo por aquela região o que nunca foi feito antes. Em julho, terminamos a limpeza completa da lagoa da Parangaba, sendo retirados mais de 128 mil toneladas de lixo, vegetação e areia. Com o desassoreamento da lagoa, devolvemos 40% da visibilidade do espelho d´água, preparando-o para a iluminação da lagoa. A urbanização da lagoa prossegue neste ano com a reforma do calçadão e dos bancos do passeio. O nosso objetivo é transformar o espaço em área de lazer para todos os frequentadores do Polo de Lazer da Parangaba", informa o titular da SER IV, Sampaio Romcy. (SS)
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