Consumo consciente em alta

Escrito por Redação ,
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Na contramão da "fast fashion", os brechós funcionam como opções para o consumo consciente e o respeito à preservação ambiental

A voracidade da moda em buscar novas tenências não condiz com a preservação ambiental, palavra de ordem deste início de milênio, quando todas as atenções se voltam para o problema do aquecimento global. Entre apocalípticos ou indiferentes à causa do meio ambiente, algumas pessoas começam a fazer a sua parte. Na contramão dessa filosofia, representada pela "fast fashion" ou moda rápida aparecem os brechós, espaços que ganham uma nova função: preservar o meio ambiente. À primeira vista, o que teria a moda a ver com a preservação ambiental? Tudo, uma vez que o mundo fashion envolve matérias primas como algodão, couro entre outros artefatos, cuja cadeia uso/produção vai depender da relação com as novas regras impostas pela palavrinha mágica que, cada vez mais, vem sendo incorporada ao processo produtivo no mundo contemporâneo: desenvolvimento sustentável.

Neste sentido, os brechós funcionam como um denominador comum entre consumo e moda. Além de venderem roupas a preços mais baratos, os consumidores podem encontrar peças de diferentes épocas, proporcionando um verdadeiro passeio pelo universo mágico da moda, marcado por estilos, conceitos e materiais de diferentes épocas. Em Fortaleza, aos poucos, os brechós estão sendo incorporados à vida das pessoas, embora a perspectiva da preservação ambiental ainda seja uma novidade. Gilvânia Monique Albuquerque, estilista, que no momento faz pós-graduação, tendo como objeto de pesquisa o consumo de artigos usados e antigos em Fortaleza, defende que está havendo uma mudança na percepção do consumidor de produtos em brechós. "Muitos são ligados à moda ou à área do design e alguns compram roupa usada levando em consideração a questão ecológica", afirma Gilvânia Monique, dona do brechó Reinvenção.

No geral, o que elas buscam mesmo são peças diferentes, ou seja, uma roupa que nem todos têm. "O apelo de preservação do meio ambiente está muito em alta", completa, afirmando que, aos poucos, as pessoas estão se conscientizando de que nem todas as peças serão mais utilizadas. Assim, nada de aumentar o espaço no guarda-roupa, justificando que a saída pode ser a venda dessas roupas que cairão perfeitamente em outros corpos. A troca de peças é também outra opção racional e condizente com a tendência mundial preservacionista, como assinala, citando os encontros organizados por blogueiros de moda, e que ganham reforço com as redes sociais.

A estilista fala da "fast fashion" que consiste no consumo rápido, em alguns casos, os materiais utilizados não levam em conta a durabilidade. "A troca com amigas ou doar para alguém" é uma boa alternativa para essa moda dita descartável. As trocas entre as blogueiras incluem roupas, itens de maquiagem, perfumes e outros acessórios. De certa maneira, são ações que denotam uma certa preocupação com a natureza.

A estilista lamenta: "Ainda não temos a cultura do usado como na Europa", diz, justificando que ainda não é tão comum, mas admite que a realidade mudou, comparando quando começou a trabalhar com artigos usados, há quatro anos. "A noção de brechó era de roupa velha, suja ou mofada". A ideia é logo desfeita ao "passear" pelos seis cômodos da bucólica casa que abriga o Reinvenção.

Doações

No bazar ou brechó do Movimento Emaús Vila Velha, na Barra do Ceará, o lema é "tudo pode ser aproveitado", como resume Cristina Alencar coordenadora e gestora do atendimento ao público. Aberto ao público apenas aos sábados, das 8 às 12 horas, o brechó ganha uma nova conotação, ao se transformar em fonte de renda para muitas famílias da comunidade.

"Muitas pessoas compram para a revenda em feiras", diz Cristina Alencar, lembrando que todos nós temos algo em casa que não usamos. Levando em consideração que movimento gera energia, assim como a natureza, os objetos não podem ficar amontoados, principalmente, quando podem ter um fim nobre. No caso do bazar Emaús, ajudar aos mais necessitados.

O movimento existe há 17 anos em Fortaleza, criado na França em 1949. O bazar vive de doações, sendo realizadas 25 coletas diárias. As doações incluem roupas, sapatos, acessórios, eletrodomésticos e eletroeletrônicos. O que seria um lixo eletrônico, pode ganhar utilidade, a exemplo de um computador que pode custar R$ 250,00, no bazar.

Uma equipe cuida da triagem do material recebido, portanto, a roupa recebe tratamento especial e lavagem. Os eletrodomésticos e eletroeletrônicos são consertados e vendidos em perfeito funcionamento. Cristina Alencar destaca a importância da preservação ambiental, proposta embutida na ação do bazar Emaús que conta com oficina de reciclagem.

As roupas de frios são as peças mais procuradas nos dois brechós, como afirma Gilvânia Monique. O bazar Emaús ficou conhecido na Cidade por essa opção de roupas.

IRACEMA SALES
REPÓRTER

Opinião do especialista
Entre hiper consumo e sustentabilidade

Fibras naturais, materiais reciclados e a quase onipresente "ecobag". Sem dúvida, a indústria da moda está atenta ao desejo da sociedade em contribuir para a preservação do meio ambiente. Mas até que ponto temos práticas sustentáveis de fato na hora de nos vestirmos? Ou estamos nos protegendo atrás do rótulo "ecologicamente correto"? Você já se viu justificando uma compra cara ou desnecessária com um "mas é de algodão orgânico"? Sem querer desmerecer as inúmeras pesquisas de material e de processos, mas tem uma peça nessa engrenagem que não encaixa. Assim como a tecnologia torna celulares obsoletos a uma velocidade que mal conseguimos acompanhar, a indústria da moda tem na novidade seu principal motor. Hoje mais do que nunca, afinal as informações circulam a uma velocidade surpreendente e por espaços antes impensados. Não espanta o avanço das redes de fast-fashion, com coleções novas nas lojas a cada semana. No Brasil, alguns fatores favorecem esse modo de produção: uma economia em expansão, a ascensão das classes C e D no mercado de consumo e a grande oferta de crédito. Um cenário tão propício que atraiu não apenas os magazines, mas também lojas de grife, para esse modelo. Certamente duas coleções por quinzena movimentam a economia e geram empregos bem mais do que duas coleções por ano. Então qual é o problema? Essa transitoriedade tem seu preço: ao sabor das tendências, esgotam-se os recursos naturais, gera-se desperdício e cresce a poluição. Longe de mim pregar um boicote às novidades, aos estilistas, à moda. Muito menos há intenção de defender um mundo 100% funcional, onde o simplesmente belo e desejável não tem vez. Mas é fundamental que tenhamos consciência do paradoxo que vivemos: a pressão pelo hiper consumo e a necessidade de adotar posturas ecologicamente corretas.

Mônica Lucas
Jornalista de Moda e Economia
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