Com humor e irreverência, Kekê ganha a vida na cidade

Escrito por Redação ,
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Um trabalho comum pode se tornar inusitado, depende de como ele é feito. Essa é a impressão que fica, depois de um encontro, nas ruas de Fortaleza, com o locutor publicitário Clerton Cordeiro. No melhor do estilo "brega", ele se produz com o traje mais espalhafatoso do seu guarda-roupa, e, no topo da sua D-20, ano1986, totalmente customizada, com direito a frigobar, rede, manequins fantasiados e outros objetos pitorescos, começa a improvisar repentes e paródias para convencer os transeuntes de que o produto do seu cliente é bom e diferente­- assim como ele. Pelo menos, no quesito divulgação, dificilmente, alguém vai apostar que seus serviços não têm um diferencial sobre os demais. "Sou um locutor que conduz um carro de som. Não um motorista que leva um carro de som", observa.

Kekê, como prefere ser artisticamente chamado, é o que as jovens gerações rotulam, nos dias de hoje, como uma "figuraça". Impossível não notar o detalhe na mão que segura o cigarro (cada unha pintada com quatro cores distintas e de combinação questionável). Na intimidade da sua casa, sentado, chinelos de dedo, pernas cruzadas, calças jeans surradas, sem camisa e óculos escuros, dá para perceber o porquê de, há mais de 30 anos, esse cearense da localidade de Serrita, no município de Pentecoste, sobrevive, exclusivamente, da informalidade. "Nesse tempo todo, só trabalhei um ano com carteira assinada. Fui motorista de caminhão de uma empresa de refrigerantes. Não gostei porque a gente fica muito preso", comparou.

Sob um clima de descontração, ele improvisa rimas com os nomes da equipe de reportagem. Em segundos, "Ilo combina com aquilo e Kelly com Pirelli" e por aí vai. Contudo, são necessárias duas horas e um pouquinho mais de bate-papo para ele sintetizar a sua própria história e, simplesmente, dizer o que faz para ganhar dinheiro. Só o posicionamento prévio do disparo voluntário da máquina fotográfica desvia a sua concentração e o desmonta da fleuma de artista. "Espera aí só um minuto, por favor, para eu vestir uma blusa e pegar a minha marca registrada", refere-se à boina, companheira fiel, que ao lado do tradicional cavanhaque completam a imagem desse personagem da vida real, bastante desenvolto defronte às lentes.

Já morando em Fortaleza, ele trabalhou no depósito de material de construção do pai, e, nas folgas, fazia cartões personalizados para ganhar uma renda extra. Mas a primeira profissão de fato foi a de professor de inglês. "Naquela época os cursinhos não assinavam a carteira", explica Kekê, que, segundo ele, conquistava as turmas de alunos com o seu jeito peculiar de repassar a matéria. "Usava coisas como: se ele he, ela faz she she. Era uma forma cômica de aprendizado", brinca.

Ouro só dos outros

Na década 1980, foi vendedor de roupas e, por dois anos, garimpeiro em Serra Pelada, no Pará. "Não achei nada de valor. Só vi ouro nas mãos dos outros. Levei foi um chifre e desisti daquilo lá", comenta em meio às gargalhadas, demonstrando um aspecto bem original do cearense - o de fazer brincadeira com a própria desgraça.

De volta ao Ceará, conheceu o karaokê, febre do momento. "Sempre tive vontade de ganhar dinheiro com música. Passei a cantar nos barzinhos, ao som da fita cassete no playback. Foi o maior sucesso na cidade". E foi conciliando o karaokê e as aulas de inglês que ele rodou o País. Passou por dificuldades, foi vendedor ambulante de cerveja e churrasquinho na praia. No Paraná, sem condições financeiras, sofreu com o frio e viveu outra desilusão amorosa. Em São Paulo, deu a volta por cima, ganhou um prêmio de melhor composição musical. Porém, foi no Rio Grande do Sul que reinou por 10 anos com o karaokê. Nesse período, conheceu parte da Europa. "Foi a melhor fase financeira que já vivi. Ganhava cinco vezes mais do que hoje porque eu fazia a propaganda do meu próprio show". Após essa temporada e, em especial, o aparecimento do videokê, ele retornou. Hoje, tem cinco clientes fixos, que o contratam para rodar a cidade ou ficar em frente aos seus estabelecimentos comerciais, divulgando seus produtos. Para complementar a renda, mais trabalho informal: continua com as aulas particulares de inglês e mantém um programa de rádio, onde aproveita para mostrar seu trabalho. Um deles é a mensageokê, muito solicitada nos aniversários.

"A gente investiga a vida do homenageado e prepara uma letra exclusiva para ele com sua música predileta". (ISJ)
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