Cenário atual do mercado se assemelha ao de 2009

Para o analista, as medidas anticíclicas perderam o fôlego e sofrem com quadro atual adverso tencionado por forças econômicas, políticas e sociais

Escrito por Redação ,
Legenda: Analista destaca a atuação dos profissionais do chamado Sistema Público de Trabalho, os quais, especialmente em períodos cuja economia vai mal, buscam ajudar as pessoas menos beneficiadas
Foto: Foto: Daniel Roman

Entre janeiro e fevereiro de 2015, mais de 7 mil postos de trabalho formais foram fechados no Ceará, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Além disso, diversos setores já afirmaram que o primeiro trimestre em geral foi marcado pela ocorrência de várias demissões. Dado o momento instável da economia do País, isso já era um resultado esperado neste início de ano? Surpreendeu ou não?

É possível dizer que os resultados surpreenderam na medida em que a intensidade das demissões é bem significativa, isto é, no mesmo parâmetro do início de 2009, quando os efeitos da crise mundial se alastravam em vários países pelo mundo, inclusive no Brasil.

Por quê? É possível apontar quais os setores mais afetados? Quais os destaques positivos e negativos?

Até então o País vinha superando essa adversidade, especialmente, puxado pelo dinamismo de seu mercado consumidor interno ao qual alavancou a geração de empregos nos mais diferentes setores de atividade econômica.

A vontade política de se implementar políticas anticíclicas com a desoneração de tributos e estimulo às cadeias produtivas, tal como na construção civil com o Minha Casa Minha Vida, contribuíram para esse círculo virtuoso, que paulatinamente foi perdendo intensidade e chegou a situação de hoje, com possibilidades de retração da economia e de superação da meta de inflação, corroendo o poder de compra dos consumidores e o gasto governamental com a dívida pública.

Fora a situação econômica do País, quais os principais fatores que devem pesar, neste ano, para um aperto no mercado de trabalho? O ano de 2015 será complicado para o trabalhador cearense?

Para além da sazonalidade em que há tradicionalmente o fechamento de postos de trabalho, é possível mencionar que outras fatores estão contribuindo para essa conjuntura mais adversa, tal o ajuste das políticas macroeconômicas, da inflação mais elevada, do maior endividamento das famílias, da retração do gasto público, da própria redução da oferta de trabalho, dentre outros. Ou seja, para além destas questões bem objetivas não se pode deixar de lado o aspecto subjetivo do momento em que as mais diferentes forças políticas, econômicas e sociais tencionam para um quadro ainda mais adverso, o que prejudica a todos.

Como os empresários que diminuem os investimentos ao mesmo tempo em que possuem menores lucros, os trabalhadores que se veem com menores chances de reingresso no mercado de trabalho e até mesmo num desemprego que pode voltar a ser mais prolongado e os governos que perdem a arrecadação de tributos.

Mais da metade dos postos de trabalho do Ceará está concentrada na Capital e Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). É possível dizer que esta será a região mais afetada, ou o Interior também deve passar por arrocho no mercado de trabalho em 2015?

O impacto já se demonstra significativo para diferentes setores de atividade, de níveis geográficos e das características pessoais da força de trabalho. A redução da indústria, por exemplo, tem impactos significativos tanto na área metropolitana quanto no Interior. Tome o exemplo do caso de Sobral, em que uma única fábrica de calçados é responsável por quase a metade dos empregos da cidade. A redução deste setor tem impactos expressivos no comércio e nos serviços da cidade quanto de sua microrregião.

Aliás, é preciso desenvolver outras políticas de trabalho que deem uma complementariedade à política de atração de investimentos que foi posta em prática nas últimas décadas, pois seus efeitos se demonstram atualmente limitados, ao mesmo tempo em que não conseguiu diminuir esta concentração de postos ao longo de todo esse tempo.

Existe algo que os trabalhadores podem fazer para ganharem mais força no mercado? Para correrem menos risco de perderem seus empregos? A capacitação é um caminho?

Essa questão da qualificação precisa ser em parte desmistificada, pois para a maioria das ocupações ofertadas existe uma mão de obra disponível para o trabalho. Nota-se, por exemplo, que o termo do "apagão de obra" desapareceu dos noticiários nos últimos dois anos? O que aconteceu? Fomos tão eficientes que resolvemos o problema? Não, o que ocorreu foi que o ritmo de contratação diminuiu, o que possibilitou que o empresariado fizesse o que sempre fez, promovesse a rotatividade da mão de obra de acordo com os seus interesses e com relação ao valor dos salários, da concessão de benefícios, dentre outras questões. Até então, em termos de crescimento econômico, os trabalhadores puderam ser exigentes e conseguiram melhores salários e condições de trabalho ao poderem também escolher aonde queria trabalhar, o que ficou mais difícil nos últimos dois anos.

Neste cenário, qual o papel que o Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT) vem desempenhando para o trabalhador cearense?

Nós, que fazemos o Sistema Público de Emprego, temos um papel muito importante nesse período na medida em que alguns segmentos da força de trabalho são mais penalizados, especialmente em conjunturas econômicas mais adversas, entre eles, pessoas menos escolarizadas e/ou com mais idade, jovens em busca do primeiro emprego, pessoas com deficiência, dentre outros perfis, pois há uma negociação efetiva de mediação da oferta e da demanda por trabalho em prol do interesse público e não nas conveniências de uma das partes da negociação.

É preciso investir em pesquisa para mudar a realidade de nosso mercado de trabalho que por um lado é um dos que mais geram empregos do País, ao mesmo tempo em que convive com elevados índices de informalidade das relações de trabalho, especialmente no Interior do Estado em que a política de atração de investimentos teve - e tem - um papel importante, mas limitado ao ter revertido a concentração econômica e da geração de empregos na região metropolitana de Fortaleza.

Erle Mesquita é analista de Mercado de Trabalho do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT)

Áquila Leite
Repórter

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