Ceará será conectado a destinos emblemáticos

Executivo diz acreditar que o Estado possui empreendimentos totalmente conectados ao século XXI em fase de maturação e que o impacto positivo deste cenário é imensurável

Escrito por Redação ,

Como o senhor avalia as mudanças no setor aéreo nesse período pós-leilões de concessões, especialmente o de Fortaleza, que teve anunciada a instalação do hub da Air France-KLM pouco tempo depois de a Fraport assumir a gestão parcial do aeroporto? Quais os impactos positivos?

O Ceará ganhou na loteria com esse hub. Vocês se preparem. Vocês não têm ideia do que vai vir. Eu entendo que isso não é um fato isolado o que vamos ver agora. Veja que você tem a construção de uma nova conexão internacional com dois destinos emblemáticos do planeta: Paris e Amsterdã, que estão entre as dez cidades mais emblemáticas do Planeta. Você tem uma ampliação muito forte da conectividade nacional doméstica. A Gol fala em mais de um milhão de novos passageiros ao ano. E tem a concessão do Aeroporto para a Fraport, que também é emblemática, vide o Aeroporto de Frankfurt, um dos maiores do Planeta. E tudo isso em um momento em que, no Ceará, tem alguns projetos estruturais muito importantes maturando. Projeto dos cabos de fibra ótica com Angola, o Porto do Pecém, o Polo de Saúde com a FioCruz no Eusébio e tem a Siderúrgica. Todas essas atividades acabam se casando em um determinado momento. Então, mais gente vai e vem, podendo ter mais oportunidades de negócios, trabalho e atividades em quatro ramos absolutamente conectados com o século XXI, em um momento de mudança estrutural do Estado.

Eu entendo que isso vai gerar uma série de impactos muito interessantes que vão para muito além de um aeroporto. Por exemplo, o público ao qual o Ceará está vinculado tradicionalmente, que é o seguimento de lazer, pode também começar ter uma disputa representativa aqui com segmento de negócios e eventos. Com a instalação dessas atividades, esses setores passam a atrair públicos relacionados a eles. O maior desafio do turismo como atividade econômica é a sazonalidade, quer dizer, trabalho e negócios, não tem relação com o Sol. Eu confesso que, se fosse um jovem empreendedor e morasse aqui no Ceará, estaria bastante animado.

Esse cenário deve melhorar também o preço das passagens?

Vocês vão ter uma oferta bem maior e essa oferta vai se ajustar com a capacidade de consumo que tem a sua volta. A aviação com liberdade tarifária funciona de uma maneira quase que perfeita. O sistema de algoritmo vai se ajustando à velocidade de compra. Vai baixando o preço até se tornar viável. Agora, não dá pra prever se vai baixar ou subir. Vai se ajustar à capacidade de consumo instalada aqui.

O que a história mostra: vivemos 15 anos consecutivos de queda de preço. Agora, precisamos de outros agentes. Por exemplo? ICMS (Imposto Sobre Comércio de Mercadorias e Serviços). O Brasil é o único país do planeta que cobra tributo regional sobre querosene de aviação. Como os outros países não cobram, a gente sai de um avião de São Paulo para Fortaleza paga 25% de ICMS do querosene de avião. Aí sai para Buenos Aires e paga zero.

Ou seja, essa é uma política que vem lá dos anos de 1980, que faz com que seja mais barato mandar o turista lá para Buenos Aires do que mandar para cá. Temos um projeto de autoria do senador Randolfe que nós apoiamos e está pronto para ser votado, que cria um teto de 12% de ICMS sobre o querosene de avião no país inteiro. Nós assumimos nisso um compromisso público de que, se aprovado, vamos gerar 198 novos voos no País inteiro.

Sobre a articulação entre aeroportos e companhias aéreas, como tem se configurado no Nordeste, a tendência é mesmo a formação de mais hubs no País?

Eu creio que as empresas estão buscando formas cada vez mais contemporâneas de atender consumidores e crescer. Esse movimento que estamos observando aqui no Nordeste é muito rico do ponto de vista técnico, comercial. A Azul se instalou em Recife e está construindo toda uma malha conectando todo o Nordeste. A Gol, agora, na parceria com a Air France-KLM, vai assumir um papel muito forte aqui em Fortaleza e, no fim, quem acaba ganhando com isso são os passageiros. Há também um ganho muito importante para a economia das duas regiões.

Acho de uma relevância enorme a medida que um aeroporto mais movimentado, tanto do ponto de vista nacional como internacional, tem um impacto saudável em toda a cadeia produtiva não só da aviação, mas como fora dela em várias dimensões: econômica, tecnológica, cultural.

Muitos especialistas fazem paralelo com o que acontece nos Estados Unidos, onde aeroportos formam parcerias com empresas aéreas. Nesse cenário, onde entra o hub da Latam no Nordeste, uma vez que o aeroporto ainda não foi escolhido?

Eu não tenho condições de debater o cenário da Latam. Esse cenário é definido a partir das políticas de desenvolvimento estratégico da própria empresa, então, não tenho como fazer essa avaliação.

Do ponto de vista do conceito de hub e do conceito de foco, a avaliação está absolutamente correta de que é uma prática conhecida no exterior e chegou ao Brasil porque há um momento que permite a realização.

Há um segundo impacto, que é regional, que também é uma possibilidade real, mas não creio que seja algo que vá ser visto imediatamente. Quando eu falo de regional, falo de voos para cidades menores e não de conectar cidades grandes. Essa conexão entre cidades maiores, como Brasília e Recife, Maceió, acho que isso vem na sequência imediata, sim.

O senhor fala de trechos como Fortaleza-Jericoacoara ou Aracati, por exemplo? E sobre esses voos regionais: quando você não vai ser mais preciso pousar em vários aeroportos até atingir o destino final?

Isso. Esse tipo de conexão entre aeroportos menores é que nós vamos esperar um pouco mais, na minha avaliação.

Sobre as conexões entre algumas capitais do Nordeste, por exemplo, só deixarão de existir quando tivermos estrutura de custo que permita fazer esses trechos sem ser caríssimo. O que acontece é que o custo maior é na decolagem e no pouso, quando queima bastante querosene. Então, imagina uma Boeing 737 ou um Airbus 320. Se voam 40 minutos, o custo deles tem de ser pago em 40 minutos e o preço do bilhete fica lá em cima e a demanda recua. Então, hoje, a gente tem restrição de vender alguns trechos pequenos porque o preço dele é proibitivo.

Para fazer isso precisamos fazer ou com aviões menores ou por meio de algum tipo de política pública. Em alguns lugares do País a aviação regional se encontra mais desenvolvida, mas isso está muito mais vinculada à demanda. No Nordeste, o impacto é menor do que no Norte, porque é mais conectado, mas existe uma série de áreas do Nordeste que necessitam de uma política para viabilizar o voo, e isso está desenhado no Plano de Desenvolvimento da Aviação Regional. Mas estamos esperando o cenário econômico melhorar.

Como as empresas aéreas estão lidando com os detalhes dos contratos de concessão?

Esse processo está sendo feito com um grau bastante razoável de diálogo conosco (empresas aéreas). O ministro dos Transportes, Maurício Quintela, o secretário Dario Lopes da SAC (Secretaria de Aviação Civil), têm sido muito transparentes nesse debate conosco. Tanto que uma das alterações importantes no antigo modelo é que, agora, o concessionário vai ter que consultar um conselho de usuários para poder aumentar a tarifa do aeroporto. É um processo em construção, não está escrito em pedra. Nós estamos vendo alguns movimentos de mudança, acompanhando e, no geral, nossa expectativa é positiva.

O diálogo também acontece com as concessionárias?

Aí não é a Abear que o faz. As empresas aéreas individualmente têm debatido com as concessionárias e estabelecem uma relação comercial. Isso também tem sido uma dinâmica positiva, pois a Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária) não podia estabelecer essa dinâmica de comercializações individuais ligadas ao volume de tráfego, escala, novas concessões... Então, tem todo um novo modelo de negócios da aviação surgindo no Brasil e contribuindo para novos voos e novas conexões, o que no fundo é o que todos nós queremos: voar mais para mais lugares.

Essa relação se torna tão importante para o setor como é com os governos estaduais, com o abatimento do ICMS do querosene de avião? Ou seja, pode estimular a operação de um novo voo em uma cidade?

Pode. O aeroporto do Galeão, por exemplo, contratou um profissional que é um ex-executivo da Embratur e do Ministério do

Turismo só para fazer captação de novos voos e promoção do aeroporto no exterior. Veja se há dez anos atrás a gente pensaria numa coisa como essa? O que significa isso? Mais passageiros, mais consumidores, mais tudo.

 

*Eduardo Sanovicz é presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas - Abear
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