Brasil é moderno e atrasado

Escrito por Redação ,
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Doutor em sociologia, mestre em economia, especialista em estatística e professor de economia, Assuero Ferreira é uma das mais brilhantes inteligências da UFC. Ele elogia o Brasil moderno da economia, condena o Brasil atrasado da política, elogia a política social de Lula, destaca o salário mínimo mais do que o Bolsa Família. E diz: Celso Furtado é melhor do que Henrique Meireles

Para começar: Celso Furtado ou Henrique Meireles?

Certamente, o economista Celso Furtado, uma das mais criativas e ousadas cabeças que o Brasil já produziu. Henrique Meireles é um administrador de banco. E da linha ortodoxa, porque, se você verificar a política do Banco Central do Brasil, ela, normalmente, vai de encontro à questão do desenvolvimento. O princípio fundamental da política do Banco Central, do ponto de vista inflacionário, é a estabilidade. O Banco Central teve um papel importante, inclusive no sistema de regulação diante da crise financeira. Mas Celso Furtado é outro mundo. A perspectiva de Celso Furtado é extraordinariamente muito mais ampla, de um sentido humanitário do crescimento, que é o desenvolvimento econômico.

E por que o presidente Lula tem mantido Meireles no seu Governo?

Na campanha eleitoral de 2002, Lula estava sendo açoitado pelos adversários e pela mídia com a acusação de que ele romperia contratos, confiscaria a poupança etc. Então, ele publicou uma Carta aos Brasileiros, comprometendo-se a dar continuidade ao que estava correto na política econômica. Henrique Meireles foi escolhido para a presidência do Banco Central por ser um banqueiro internacional, com status internacional, com representatividade no meio financeiro mundial. Entretanto, a política do Banco Central mantém taxa de juros em nível alto, que serve para renegociar a dívida mobiliária do Governo, que é muito alta, alcançando perto de R$ 1,4 trilhão, renegociada em prazos normalmente curtos. Mas houve um mérito na política do Banco Central, sob a liderança de Meireles, que foi a troca de títulos com correção cambial e pós fixados por papéis pré-fixados em moeda nacional, o que dá mais segurança do ponto de vista do orçamento público.

Mas a política fiscal foi para o espaço, é só observar o aumento dos gastos do Governo.

Mas é um gasto contra cíclico, fundamentalmente, diante de uma crise da qual o capital privado se afastou logo no começo, suspendendo seus investimentos.

E qual é o problema?

O problema fundamental é que o sistema financeiro no Brasil lucra com a questão da dívida pública. E não é só aqui. Os EUA sustentam o mundo hoje com o seu dólar desvalorizado. Pois bem: se já se aponta uma alta de juros, e juros já muito altos, você está querendo cercear o crescimento. Cerceando o crescimento, o que teremos? Esse filme já passou e conhecemos o seu final. Toda a melhoria de condição de vida do brasileiro, nos últimos anos, deu-se pelo avanço, pela ampliação do mercado formal - via aumento do Salário Mínimo. Querem atribuir isso ao programa Bolsa Família, que é uma gotinha d´água nessa situação. É um fetiche criado pela oposição. Não é verdadeiro. Então, a questão fundamental é que Lula assumiu e cumpriu os compromissos da Carta aos Brasileiros. Lembro que houve um racha no Partido dos trabalhadores por causa da escolha do Henrique Meireles, e desse racha nasceu o PSOL.

Lula, então, seguiu a política de Fernando Henrique Cardoso?

Essa alusão não tem sentido, porque muitas modificações daquelas a que me referi do ponto de vista financeiro foram feitas e são hoje extremamente importantes para abordar a questão da fragilidade financeira do setor público.

Houve uma época em que os nordestinos migravam em direção ao Sudeste. Essa migração já se faz hoje no sentido inverso?

Há uma migração de retorno, mas ela não é tão significativa quanto o é nas épocas de desemprego. Naquela época, o indivíduo era protegido pelo colchão amortecedor dos amigos e familiares que estavam lá no Sul à sua espera. Por causa disso, dois dias depois de sua chegada, ele já estava empregado. Nos estudos que fiz sobre migração, conclui que, nas épocas de alto desemprego, a taxa de retorno do migrante aumenta, acentuadamente.

Passa a acontecer o quê?

É que o mercado de trabalho está hoje mais seletivo do que era antes. Por exemplo: a indústria automobilística empregava indivíduos que aprendiam a manusear um torno no chão da fábrica, ou seja, no pleno serviço. Hoje, a empresa não emprega quem não tem qualificação, quem não tem experiência, quem não está treinado, capacitado.

Quando o Nordeste se tornará uma região desenvolvida?

Há fatores no Nordeste que são extremamente importantes quando se pensa o desenvolvimento da região. Primeiro, certamente, você tem uma desigualdade social já por si só gritante, uma propriedade urbana ou rural extremamente concentrada; segundo, você tem grandes áreas do interior nordestino que estão estagnadas. Até aqueles produtos que se cultivavam em larga escala, como o algodão, deixaram de ser produzidos. Assim, aqueles municípios que viviam daquelas atividades, do beneficiamento do algodão, do arroz, da carnaúba, nem isso tem mais. Acontece o seguinte: quando você implanta uma estrutura produtiva em determinado local, você carreia a migração para esse local.

O senhor poder citar exemplos?

Claro! Veja a região de Sobral, aqui na região Norte do Ceará. O que é a região de Sobral, hoje, depois da instalação de certas indústrias, e o que era há 20 anos. O que é hoje o município de Horizonte, na Região Metropolitana de Fortaleza, e o que ele era há 20 anos. Quanto não se levou de população para Sobral e para Horizonte?

Qual é a consequência?

Como não há emprego para todos, você tem um processo de grande periferização no interior. Considerando-se a mudança de hábitos etc etc, você introduz aí a violência, as drogas. As escolas, em sua maior parte, não são adequadas. Quando se advoga que a educação é a salvação, é certo, desde que você mantenha a família do indivíduo e ele juntos. Isso é um círculo vicioso: você não se educa porque não tem dinheiro e não tem dinheiro porque não se educou. Os programas de compensação de renda são extremamente importantes para manter os indivíduos no mínimo de sobrevivência e, ao mesmo tempo, oferecendo a oportunidade de estudos aos seus filhos. A educação é, pois, importante, mas é preciso orientar melhor o investimento público para a infraestrutura, seja ela física (saneamento, habitação etc), seja ela educação e a cultura, principalmente a cultura cidadã. O investimento público tem, ainda, a capacidade de induzir o investimento privado. Portanto, ele é gerador de emprego e renda,

E o sonho do consumo?

Numa sociedade de consumo imitativo como o nosso, em que você propaga todo dia que, para ser, você tem que ter, o que acontece? Ao contrário das classes médias e altas, em cujas escolas seus filhos aprendem que, primeiro, é preciso ser para depois ter, nas classes bem pobres o indivíduo já bota na cabeça que ele tem de ter para ser. Esse é um dos elementos fundamentais fomentadores da violência. E com violência não existe desenvolvimento. Não se pode pensar mais em desenvolvimento só como questão econômica, unicamente. É aqui que vem a importância de Celso Furtado.

Do ponto de vista do acadêmico que estuda os fatos sociais, como está a classe política brasileira diante de tantas denúncias?

É verdadeiro. O problema do Brasil é que o País se modernizou de forma conservadora. Você modernizou a estrutura econômica, mas não modernizou a estrutura política. Por isso, prevalece uma estrutura de mando patrimonial, cujas relações políticas são clientelísticas. Os escândalos de hoje antigamente existiam. A diferença é que hoje há um TCU, um TCM e os próprios inimigos políticos abastecem as denúncias contra o adversário. Por mais que você tenha dificultado a corrupção, existe o sistema eleitoral brasileiro que é midiático, de custo exorbitante. Não se concebe o custo da eleição de um deputado desse. Deputado ou senador ou mesmo governador. Então, tem de ter um comprometimento financeiro. De onde vai se tirar isso? Das caixinhas, que terão de ser revertidas quando os eleitos assumirem o poder. Muitas empresas apostam em dois, quatro, cinco candidatos, para eleger dois, que representarão seus interesses. Esta é a questão: ficamos modernos economicamente e atrasados, politicamente.

Isso parece ser a regra. O senhor enxerga alguma exceção?

Sim. Há prefeituras que, mesmo em pequeninos municípios, promovem o bem estar do povo. Quando o prefeito se compromete a comprar o feijão do produtor familiar para coloca-lo na merenda escolar, ele melhora a renda local. Ele não precisa dar emprego na Prefeitura a um apadrinhado. Se você verificar os chamados consórcios municipais para a estruturação de hospitais, de escolas de nível médio, o que você vai verificar? Que aquilo funciona, porque são cinco municípios congregados fazendo o que? Um vigiando o outro. Aí você tem um sistema de transporte escolar que leva mesmo os alunos à escola, um sistema extra escolar que possibilita que o aluno permaneça mais tempo na escola. Há essas experiências que precisam ser seguidas. Não há falta de boas experiências. Desenvolvimento é isso, é a boa experiência. Considero muito boa a ideia de criação de consórcios municipais, porque junta esforços, reduz os gastos e torna eficaz o investimento social.
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