Argentina: juiz exige negociações continuadas

O governo argentino pediu que o mediador Daniel Pollack deixe as negociações por ter "quebrado a confiança"

Escrito por Redação ,
Legenda: Ontem, a agência de classificação de risco de crédito Moody's rebaixou a perspectiva da nota da Argentina para "negativa"

Nova York. Em nova audiência em Nova York nesta sexta-feira (1º), o juiz americano Thomas Griesa exigiu que a Argentina siga negociando com os credores, por meio do mediador, independentemente "se houve default ou não".

O governo argentino, contudo, pediu que o mediador Daniel Pollack deixe as negociações por ter "quebrado a confiança".

"Esse é um diálogo que deve ser conduzido com total confiança e abertura, e a Argentina não tem mais essa confiança no processo de negociação como conduzido até agora pelo mediador", disse o advogado da Argentina, Jonathan Blackman.

Segundo a Argentina, o texto divulgado por Pollack à imprensa na quarta à noite, que fala em "default" iminente teria sido "infeliz" e afetou a imagem do país ante os mercados. Griesa, contudo, manteve Pollack.

"Nada do que aconteceu nesta semana tirou a necessidade de trabalhar para um acordo com a mediação do Sr. (Daniel) Pollack", afirmou. "Se houve default ou não, é importante que as obrigações continuam e a Argentina tem que lidar com elas".

O juiz ainda disse que não foi "impreciso" o uso da palavra "default" por Pollack.

"Algo tinha que ser dito ao público, e se a palavra default foi usada, não podemos dizer que ela é imprecisa quando alguns pagamentos foram feitos e outros não. Não é anômalo chamar isso de default".

Perspectiva de crédito

Ontem, a agência de classificação de risco de crédito Moody's rebaixou a perspectiva da nota da Argentina para "negativa". A decisão foi motivada pelo não pagamento da parcela da dívida externa aos credores do país.

Isso não implica em uma queda imediata na nota de classificação da Argentina, mas a diminuição na perspectiva indica que isso poderá ocorrer num futuro próximo. A Moody's também ressaltou que considera que houve calote por parte do país. "O não pagamento de obrigações de dívidas aos credores depois de expirado o período de 30 dias é um calote", afirma a agência.

Atualmente, a nota de crédito da Argentina, na escala da Moody's, é a Caa1. Isso significa que os títulos do país estão em grau especulativo e têm "fraca condição". Os títulos emitidos pelo país no exterior têm uma nota ainda menor: Caa2.

Já os papeis originais da dívida, cujo valor integral é cobrado pelos "fundos abutres" na Justiça, é caracterizado como Ca, ou "altamente especulativo".

As notas podem ser rebaixadas caso os efeitos do calote tenham um impacto negativo sobre a economia argentina. Essa redução poderá ser causada pela diminuição nas reservas internacionais da Argentina ou se houver um aumento na dívida do país em relação ao seu produto interno bruto (PIB).

Além disso, o rebaixamento poderá também se a reação da Argentina à decisão final da Corte americana envolver o não pagamento aos credores que reestruturaram suas dívidas por um período maior de tempo.

Calote

A Isda - autoridade privada que regula o mercado de CDS (credit default swaps) - decidiu ontem que o país entrou em calote. Com isso, os investidores que compraram esses contratos, uma espécie de seguro anticalote, deverão ser ressarcidos.

A Isda (sigla em inglês para Associação Internacional de Derivativos e Swaps), determinou, por 15 votos a zero, que "um evento de fracasso em pagar crédito aconteceu a respeito da República Argentina".

No mercado, compra e vende-se seguro para o caso de algum país não pagar sua dívida. Essa entidade determina, caso a caso, se houve calote que precise ser compensando para quem pagou pelo seguro.

"Ceará não terá impacto  no abastecimento de trigo"

Um dos principais importadores de trigo do Brasil, o estado do Ceará não deverá sofrer impactos no abastecimento do produto em decorrência do calote técnico da Argentina, que já foi um grande exportador da matéria-prima para o setor de panificação e massas brasileiro. No entanto, caso a situação não seja resolvida, poderá ter impactos no câmbio e, consequentemente, no valor do trigo adquirido pela indústria local.

A avaliação é do presidente do Sindicato das Indústrias do Trigo nos Estados do Pará, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte (Sindtrigo), Eugênio Pontes.

De acordo com ele, há cerca de três anos as importações brasileiras de trigo da Argentina vêm diminuindo, como uma consequência das medidas adotadas pelo governo argentino para minimizar os impactos da crise econômica no país. Assim, o Brasil buscou outros mercados fornecedores do produto. No Nordeste, por exemplo, a maior parte do trigo vem dos Estados Unidos e do Canadá. "A questão da Argentina já vem complicada há três anos. Antes, a Argentina tinha uma safra de trigo entre 15 e 16 milhões de toneladas. Desse montante, entre cinco e seis milhões de toneladas eram exportadas para o Brasil. Contudo, de três anos para cá, isso veio reduzindo. Neste ano, por exemplo, o Brasil adquiriu apenas 1,5 milhão de toneladas de trigo da Argentina", explica Eugênio Pontes.

"Com os problemas econômicos do País, o governo argentino vem tabelando preços e, para que esse tabelamento seja consistente, também foram adotadas medidas para evitar que o produtor exporte tudo. O governo limitou a exportação. Com isso, houve desestímulo dos produtores e safra do trigo vem caindo também. O Brasil hoje não tem mais se abastecido pela Argentina, principalmente o Nordeste, onde praticamente 100% do trigo já é importado dos Estados Unidos e do Canadá", completa.

Dólar preocupa

Mas se a questão do abastecimento de trigo não é uma preocupação, os possíveis efeitos do calote técnico argentino sobre o câmbio podem se tornar uma. Como a maior parte da matéria-prima do setor de panificação e massas é adquirida do exterior, um impacto no câmbio afetaria diretamente os preços dos produtos. "Com esse 'default' da Argentina, talvez haja uma dificuldade maior de captação de dólar no mercado brasileiro. O câmbio pode ter um aumento e isso impactar o valor do trigo", enfatiza Eugênio Pontes, acrescentando que isso "vai depender do comportamento dos investidores em relação à América Latina".

"Analistas estão vendo, por enquanto, uma 'moratória branca', não tão grave. Esperamos que essa situação tenha solução", conclui.

Bolsa tem pior semana 

em 11 mesesSão Paulo O principal índice da Bolsa brasileira ganhou fôlego na última hora de negócios ontem e inverteu a tendência negativa vista na maior parte do dia para fechar em leve alta de 0,13%, a 55.902 pontos. Com isso, o Ibovespa quebrou uma sequência de cinco quedas, mas não conseguiu evitar o desempenho negativo na semana, de 3,32% - a pior performance semanal desde 26 e 30 de agosto do ano passado. Para Elad Revi, analista-chefe da Spinelli Corretora, as incertezas em relação a quando o banco central dos Estados Unidos começará a subir os juros naquele país e conflitos geopolíticos, como os da Rússia e de Israel, alimentaram a aversão ao risco global. "O mercado de ações brasileiro tem um agravante: o calote da Argentina".

EUA e dólar

No exterior, as Bolsas americanas fecharam no vermelho refletindo a desaceleração do crescimento do emprego nos Estados Unidos, que atingiu um nível maior que o esperado em julho. O resultado corrobora dúvidas sobre quando o banco central americano vai elevar os juros.

Uma alta no juro básico americano deixaria os títulos do Tesouro dos EUA mais atraentes do que aplicações nos emergentes, motivando uma fuga de recursos desses países. Nesse contexto, o mercado de câmbio reagiu positivamente ontem, reduzindo a pressão sobre a cotação da moeda americana. O dólar à vista, referência no mercado financeiro, fechou em queda de 0,13% sobre o real, cotado em R$ 2,266 na venda. Na semana, houve alta de 1,8%.

Já o dólar comercial, usado no comércio exterior, caiu 0,65% no dia e subiu 1,48% na semana, para R$ 2,260.

O Banco Central deu continuidade ao seu programa de intervenções diárias no câmbio, através do leilão de 4.000 contratos de swap (operação que equivale à venda futura de dólares), pelo total de US$ 198,7 milhões.

Coutinho: 'crise não  terá reflexo sobre Brasil'

Brasília. O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, repetiu ontem, o discurso do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que o calote da Argentina não terá impacto sobre o Brasil.

"Não há impacto importante sobre as relações financeiras com o Brasil", declarou ele, ao ser indagado sobre a crise no país vizinho. "Não tem impacto sobre o Brasil", repetiu, ao deixar almoço no Palácio do Itamaraty oferecido ao primeiro-ministro japonês Shinzo Abe.

Momento de aguardar

Para o presidente do BNDES, o momento é de "aguardar o desenrolar dos acontecimentos e ver se será possível encontrar solução". O governo brasileiro ainda acredita em uma solução negociada para o pagamento da dívida argentina com seus credores. "Vamos esperar que se consiga encontrar solução rapidamente para evitar uma situação mais séria", declarou Coutinho, esquivando-se de fazer maiores comentários sobre a situação da Argentina. Perguntado se esse calote alterava as operações do BNDES na Argentina, ele respondeu: "não há impacto sobre nós".

Luciano Coutinho falou ainda sobre a construção de um aeroporto em Cuba, que está sendo negociada com recursos do BNDES. Coutinho confirmou o financiamento para ampliação e modernização do aeroporto de Havana, mas não quis adiantar o valor do financiamento.

"Trata-se de operação normal de exportação, mas ainda não o temos aprovado (o valor)", completou Coutinho.

Empréstimo a elétricas

Com relação ao novo empréstimo para as distribuidoras de energia, Coutinho apenas confirmou que o governo está analisando o assunto. Ele lembrou que o prazo para que as distribuidoras paguem as contas dos contratos de compra de energia no mercado de curto prazo foi postergado e disse que isso dará mais tempo para que o setor.

O governo avalia um novo empréstimo no valor de R$ 6,5 bilhões para atender à demanda das distribuidoras. Desse total, R$ 3 bilhões deverão vir do BNDES e o restante de bancos privados e públicos.

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