Agricultores questionam empréstimo com o BNB

Operação envolve empréstimos de R$ 12 mil para cada uma das 296 famílias de assentamento rural

Escrito por Redação ,
Legenda: O dinheiro dos empréstimos viria do Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar (Pronaf), que conta com recursos do FNE
Foto: Foto: kiko silva

Campos Sales. Na manhã do dia 5 de agosto de 2012, o agricultor familiar Bento Rodrigues Duarte, presidente da comunidade de assentados Acoci, de Campos Sales, no Sul do Ceará, reuniu seus colegas produtores para anunciar uma proposta de operação com o Banco do Nordeste (BNB), instituição financeira que tem o crédito rural entre suas bandeiras.

A operação seria realizada através da única agência do Banco no Município e consistia, basicamente, em conceder empréstimos de R$ 12 mil para cada uma das 296 famílias que compõem o assentamento, com a condição de que fosse descontado R$ 1,1 mil de cada empréstimo para pagamento de dívidas antigas dos agricultores e também para depósito em uma conta-poupança da comunidade.

O dinheiro viria do Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar (Pronaf), que, por sua vez, conta com recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE).

O argumento era baseado em minimizar as dificuldades da seca e, ao mesmo tempo, limpar os nomes daqueles que ainda estavam em débito com o Banco. Sem muitos questionamentos, segundo agricultores de Campos Sales, o acordo foi assinado por todos os assentados, sem saberem que, pelas regras do Pronaf, o crédito rural deve ser utilizado exclusivamente para investimentos rurais em terrenos de propriedade dos clientes.

Poupança

De R$ 1,1 mil em R$ 1,1 mil, a conta-poupança da comunidade chegou a acumular R$ 136 mil, de acordo com extrato ao qual a reportagem teve acesso. Para Giovani Magalhães, professor de Direito da Universidade de Fortaleza, existe, sim, uma incompatibilidade entre as regras do Pronaf e o acordo assinado pelos assentados, "mas se todos concordaram e assinaram uma ata, isso dá um respaldo para o Banco", avaliou.

Há dois agricultores da comunidade que teriam recebido, há alguns anos, um empréstimo para cada um, sob a justificativa de que o dinheiro seria usado para investimentos na comunidade, mas outros agricultores afirmam que a verba teria como destino caixas de campanha de políticos. Com isso, a fonte de recursos para pagar os empréstimos seria a conta-poupança dos assentados. O Jornal teve acesso aos dois contratos de empréstimos. O primeiro, no nome de um dos agricultores, é do dia 14 de outubro de 2004 e libera, para ele, R$ 415.487,73. O segundo, no nome do outro agricultor, é do dia 27 de maio de 2008 e concede um empréstimo no valor de R$ 22.369,80. Os dois contratos com vencimento para 10 anos depois.

Investimentos rurais

Bento Rodrigues Duarte, o presidente da comunidade de assentados, garantiu que os referidos contratos foram usados, sim, para investimentos rurais e que eles estão nos nomes dos dois agricultores porque eles são os primeiros de uma suposta lista de beneficiados. "Na etapa velha, (o contrato) está no nome do primeiro. Na etapa mais nova, está no nome do segundo", disse à reportagem.

Descontentes

O ano de 2012 passou, chegou 2013 e parte da comunidade começou a estranhar alguns procedimentos do acordo. O jovem Cleidivan Franciso dos Santos, 28, uma espécie de porta-voz dos descontentes, diz que foi aproveitada a falta de conhecimento dos assentados para fazê-los assinar qualquer coisa.

"Se os empréstimos eram de R$ 12 mil, as pessoas deveriam receber os R$ 12 mil, porque o dinheiro tem que ser investido 'todinho'", reclama.

Cleidivan lembra ainda que, para cumprir esses contratos de empréstimos, os agricultores deveriam apresentar recibos para comprovar que gastaram todo o valor contratado, "mas como eles iam fazer isso se R$ 1,1 mil era para essas contas (dívidas antigas e conta poupança)?", questiona.

O jovem também afirmou que as assinaturas dos contratos de R$ 12 mil não eram feitas na agência do BNB nem com funcionários do Banco, como deveria ser, mas sim com um secretário da comunidade. Outra reclamação é que, quando os assentados iam comprar itens necessários para seus investimentos, como arames para construção de cercas ou rações para seus animais, um projetista responsável por orçar os investimentos superfaturava os preços e dizia que os produtos só poderiam ser comprados em determinados lugares.

Francisco Januário da Silva, 69, também agricultor do assentamento, não aceitou a situação imposta. "Eu ia em depósitos da cidade e encontrava bolas de arame por R$ 160 cada, mas o projetista dizia que eu tinha que comprar por R$ 200", lembra.

Depósitos

Sobre os depósitos de R$ 1,1 mil, ele disse ter estranhado os comprovantes que eram entregues aos agricultores. Quando fazia a transação, recebia, segundo ele, apenas um pequeno papel com o nome do Banco, a agência e o valor, sem código de barra ou nada que pudesse, de fato, comprovar a operação financeira.

Concordância e ata

Bento diz que todos os assentados concordaram em destinar R$ 1,1 mil para pagar as dívidas antigas. "Eu tenho uma ata com a assinatura de todos", garante. "E quando isso começou, nós éramos uma base de 60 assentados. Depois, quando os outros viram que o projeto ia dar certo, começaram a se animar para participar também, e aí nós explicamos como funcionava", declara. "Além do mais, o acordo dizia também que o dinheiro que sobrasse seria devolvido igualmente a todos".

O líder da comunidade critica os que reclamam e os chama de "dissidentes". "Eles, que estão fazendo essas denúncias, que estão contra a maioria... Eles estão atribulando o assentamento", alega Bento.

Banco promove sindicância

Campos Sales/Fortaleza. Questionado sobre as supostas irregularidades levantadas pelos agricultores de Campos Sales, o Banco do Nordeste (BNB) informou, por meio de nota da assessoria de comunicação, que "as denúncias de supostas irregularidades foram apuradas em procedimento de sindicância, cujo resultado está sendo tratado internamente". No início deste ano, a insatisfação dos "dissidentes" da comunidade chegou às autoridades. A Promotoria de Justiça de Campos Sales coletou depoimentos de vários dos assentados, todos estranhando os procedimentos dos contratos.

No entanto, por se tratar de denúncias que envolvem recursos federais, o caso foi encaminhado para a Delegacia de Juazeiro do Norte da Polícia Federal (PF), conforme informou o promotor de Justiça de Campos Sales, José de Deus. A Polícia Federal não forneceu informações sobre a questão, por se tratar de um assunto de natureza sigilosa.

Em Campos Sales, a reportagem também procurou a gerência do Banco onde houve a negativa de que existisse qualquer irregularidade. Foi reforçado pela gerência que tudo foi feito com o consentimento da comunidade (por meio das assinaturas das atas), limitando-se a recomendar que a assessoria de comunicação do Banco fosse procurada para se pronunciar.

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