22 anos depois, maior desafio do Plano Real é a inflação resistente

Mesmo longe de ter a mesma ferocidade de antes, o "dragão" da inflação mostra as garras e vira mais um teste para a moeda que domou a hiperinflação do início da década de 90

Escrito por Áquila Leite - Repórter ,

Se alguém afirmasse, no fim de 1993, com a inflação brasileira fechando em 2.477,15%, que o ano seguinte seria marcado por estabilização econômica, provavelmente não seria levado muito a sério. Na época, o Brasil vivia um verdadeiro caos financeiro, fruto de uma das mais longas e resistentes pressões inflacionárias já vistas, o que inviabilizava investimentos, desvalorizava a moeda e comprometia cada vez mais a renda dos brasileiros. Acontece que no dia 1º de julho de 1994, há exatos 22 anos, o País presenciou o acontecimento que seria um divisor de águas no desenvolvimento nacional: a chegada do real.

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Hoje, mais de duas décadas desde sua implementação, o Plano Real é visto como um sucesso, já que conseguiu conter a hiperinflação e recolocou o Brasil nos trilhos. Para se ter uma ideia, em 1996 o índice inflacionário caiu para um dígito, algo que não era visto desde o começo dos anos 70. Nos últimos tempos, porém, o "dragão" que parecia adormecido passou a mostrar suas garras, mesmo longe de ter a ferocidade daquela época. A inflação voltou a ser um grande problema para o governo, que ainda não conseguiu contê-la, culminando em uma taxa de 10,67% em 2015, a maior dos últimos 13 anos.

Para o superintendente-adjunto para inflação do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), Salomão Quadros, apesar de ser uma situação "completamente diferente" daquela registrada no início da década de 90, quando a inflação acumulada dos últimos 12 meses chegava aos quase inimagináveis 6.000%, o atual momento de pressão inflacionária do País requer toda a atenção possível. Conforme afirma, reduzir as taxas atuais é o maior desafio do real desde que foi implantado.

"A situação dos anos 90 foi a consequência de toda uma história de descontrole inflacionário nos anos anteriores. Não foi em um dia, um ano, mas ao longo de três décadas que ela se formou. Assim, não tem como comparar os momentos, mas o problema de você ter uma inflação de 10% ao ano é que, no futuro, ela pode se tornar 20% e continuar subindo. Não era para termos atingido este patamar mais de 20 anos após o Plano Real. Quando você sobe para dois dígitos, é complicado voltar aos valores de antes", diz Salomão Quadros.

Descuido

Conforme o economista da FGV, a retomada da inflação nacional não tem relação com a moeda, mas com um descuido na condução da política econômica brasileira, que não deu à pressão inflacionária a atenção necessária quando ela voltou a ganhar força, principalmente, após a crise global de 2008.

"Não é que o governo tenha deixado de se importar com os índices, mas acho que faltou firmeza. Agora, é preciso botar em prática um posição menos tolerante à inflação, inclusive permanecendo com a taxa de juros alta por mais tempo e desenvolvendo um projeto fiscal permanente", diz Quadros. "É um problema complicado, mas nem perto de ser como antes, onde era preciso mudar toda a estrutura do funcionamento da economia. Hoje, é preciso uma recondução, a busca por retomar a credibilidade do Brasil".

O economista também lamenta o fato de o Brasil ter ficado "muito perto de erradicar por completo o problema da inflação", mas não conseguiu ter um controle real sobre ela. Segundo ele, em 2006, quando a taxa foi de 3,14% ao ano, bastava o governo ter controlado os avanços, tal qual fazem alguns países da América Latina, como Chile e México, que utilizam mecanismos para evitar que seus índices ultrapassem os 5%. "Seria a vitória definitiva do real", lamenta.

Impacto da indexação

Relembrando os fatores que culminaram na hiperinflação brasileira, Quadros afirma que "uma série de motivos" foram responsáveis pela situação caótica que foi criada. Entretanto, ele diz que o maior vilão foi a indexação, que passou a alimentar a inflação futura. "O chamado 'gatilho' inflacionário, que determinava uma correção automática dos valores assim que a inflação atingisse um determinado nível, tornava qualquer subida permanente. Assim, 20% em dois, três anos já era 40% e por aí em diante", ressalta.

Atualmente, ainda permanece alguma indexação na economia brasileira, embora não automática. Os reajustes anuais de salários, por exemplo, ainda são negociados com base no índice inflacionário do ano anterior.

Marco na história

Com o Plano Real dando início à estabilidade econômica, a correção automática de contratos, via indexação, foi desaparecendo do Brasil. A consequência disto foi um avanço da economia, alta de investimentos e valorização da moeda brasileira no mercado externo. Para Salomão Quadros, o plano "foi um marco para quem viveu antes e depois dele". "Antes, tudo era confuso, você não sabia o preço de nada, já que ele mudava de forma corriqueira, com muita rapidez. Chegávamos no fim do ano com um produto custando 10, 20 vezes mais do que no início daquele período", conta.

O real também sucedeu uma sequência de planos econômicos que não surtiram efeitos e levaram ao aumento da inflação, crise de abastecimento nos mercados, demissões, entre outras consequências. Em comum, eles apostavam no congelamento de preços e salários, medida que se mostrou ineficaz. "O Plano Real deu certo porque foi feito depois de vários darem errado. Ele é uma inspiração para voltarmos aos trilhos atualmente. Não podemos esquecer do passado, mas, assim como aconteceu em 1994, mostrarmos que aprendemos com os erros e promovermos um grande acerto", finaliza o economista da FGV.

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